Confissão de Fé Batista de 1689

Confissão de Fé Batista de 1689
Um exposição objetiva da Palavra de Deus contra as falsas teologias

segunda-feira, 8 de março de 2010

A Teologia é Uma Tentação (Mt 4.1-11)

O dia em que o diabo pregou a Palavra de Deus - seria um título curioso para uma mensagem acerca dessa passagem bíblica, uma das mais impressionantes. Já ouvi e preguei muitos sermões acerca da mesma. E sei que uma vida inteira não seria suficiente para extrair tudo aquilo que o episódio encerra. Assim, quero apenas esboçar um dos seus significativos aspectos - o uso diabólico das Escrituras.

É significativo perceber que, em todo o texto de Mateus, a expressão "está escrito" aparece nove vezes, sendo que na terceira a citação é feita - misericórdia! - pelo diabo. A título didático, dividamos o episódio em duas partes.

Primeira: A submissão de Cristo à Escritura - o uso
Jesus é o grande exemplo de obediência e fidelidade à Escritura. Tudo o que fez, tudo o que disse, tudo em que cria era fundamentalmente baseado na Escritura. Jesus estava tão seguro e certo em sua fé e segurança quanto à Escritura que, sem vacilar em nenhum momento, pautou toda a sua vida (crença e práxis) na Palavra. Qual garantia Jesus tinha de que, após ser crucificado, ressuscitaria no dia terceiro? Ele mesmo respondeu:"E matá-lo-ão, e ao terceiro dia ressuscitará. E eles se entristeceram muito" (Mt 17.23); "Em verdade o Filho do Homem vai, conforme está escrito a seu respeito..." (Mt 26.24). Jesus sabia exatamente o que sucederia antes e depois - e disso estava plenamente seguro - porque as Escrituras assim lhe declaravam.
Por essa causa, e pelo seu exemplo, é que os apóstolos e cristão primitivos aferraram-se igualmente à Palavra, fazendo da mesma regula fidei (regra de fé) e autoridade, competente e autoritativa no arbítrio de todas as questões. E como poderia ser diferente, se, no caso dos apóstolos, tendo vivido lado a lado com Jesus, nele viram e ouviram a mesmo preceito? Confiramos: "Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus" (Mt 22.29).

Apenas mais uma pequena observação sobre esse versículo especificamente: muitos pensam que as Escrituras e o poder de Deus são duas coisas separadas, ou duas entidades distintas. equívoco não pequeno. Aqui temos um paralelismo hebraico - muito comum na poesia dos Salmos e demais livros poéticos. Não há distinção alguma entre as Escrituras e o poder de Deus. Antes, são uma enfatização do mesmo. Errais, não conhecendo as Escrituras que são a manifestação do poder de Deus. Na Escritura reside a revelação da soberania e do propósito do Senhor. A Escirtura não voltará vazia, nem um só til cairá por terra (Mt 5.18).

Jesus tinha isso tão certo que disse: "a Escritura não pode falhar" (Jo 10.35). Em outras versões, ser anulada. Não há poder contrário ou fora da Escritura, nem ação divina separada da mesma, o que no indica o perigo das pseudo-revelações dos movimentos carismáticos, seja evangélico ou romanista! Cristo ainda insistiu: "Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam" (Jo 5.39). Isso ficou tão claro para os apóstolos que Paulo em grande ênfase e coragem afirmou: "Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus" (Rm 1.16). Creio que é o suficiente para fazer-nos entender um pouco mais a grandiosidade e autoridade da Palavra.

Segunda: A Escritura na boca do diabo - o abuso
Isso deveria causar-nos um susto e pôr-nos em estado de alerta. Que o diabo use pessoas, conhecimentos, boas-intenções e até mesmo nos engane algumas vezes de maneira tão sutil é lamentável, mas crível. Contudo, antender que o maligno também usa a Palavra de Deus contra os filhos de Deus, ah, isso é terrível! A Bíblia não nega, mas jamais acentua demasiadamente o poder do diabo. O poder pertence a Deus (Sl 62.11).

Mas em seu esterno propósito, o Deus Soberano concedeu certos poderes e habilidades às suas criaturas. Após a Queda das mesmas, essas habilidades e poderes são utilizados de maneira maligna. Mas até mesmo tudo isso está dentro do propósito soberano do Senhor, que mantém controle absoluto sobre tudo e todos. Assim, a Bíblia nos alerta para a astúcia de Satanás. Astúcia tal, que utiliza até mesmo a Santa Palavra para levar-nos a negá-la e descrê-la. Agostinho dizia, em grande verdade e sabedoria, que a grande arma do mal está em que ele muitas vezes se manifesta travestido do bem, do correto, do útil, do aceitável. Que coisa terrível!

Aqui voltamos ao nosso ponto de origem -  a Teologia é uma tentação. Porque a teologia tem como fundamento de sua lida a Palavra. Mas, como vemos no texto ora analisado, nem todo uso da Escritura é legítimo, aceitável e divino. A Bíblia, memso sendo a Palavra de Deus, inspirada e eterna, infalível e verdadeira em todas as suas afirmações, pode ser utilizada de maneira diabólica. Por isso, ao enfrentar-se com a Escritura, na tarefa teológica, corremos um risco muito sério, podendo daí advir-nos muitos e graves perigos. Quem nos assegurará de que nosso contato com a Palavra é à semelhança de Jesus, e não à do diabo?
Algumas características do episódio podem nos ajudar a responder. Inicialmente, o mal uso das Escrituras - o abuso diabólico - está em que houve desvirtuamento do propósito original para o qual a Escritura foi revelada. o diabo, mesmo citando a Bíblia, negava-lhe a essência, o propósito e o alcance. Usava-a para negá-la.

Outra coisa importante era o seu descompromisso para com a Palavra. Ao contrário de Jesus, que tudo viveu e fez de acordo com a Escritura, o diabo somente nessa única ocasião fez menção da Palavra. E essa é mais uma marca do uso diabólico: usar a Escritura em parte, e somente quando for interessante. Sua marca é o descompromisso e o distanciamento. Outro fator importante é que a Escritura na boca do diabo é usada como meio, e não um fim. Isso é negar a autoridade da Escritura. Assim o diabo tem na Escritura apenas um mero pretexto, mesmo usando-a dentro do contexto em que foi escrito.

Qualquer aluno de faculdade ou seminário teológico conhece e repete o lema: um texto fora de seu contexto é mero pretexto - a primeira regra hermenêutica. Acontece - e vejam o grande alcance da tarefa teológica - que ao citar esse texto para Jesus, o diabo estava muito bem contextualizado. Ora, é uma citação do Salmo 91, um dos classificados como messiânicos, isto é, que fazem referência direta ao Messias. Vemos, então, que otexto estava amplamnete contextualizado. Mas, ainda assim, seu uso revelou-se inválido.

E aqui entramos na questão teológica de cunho mais sistemático, cuja regra fundamental é aquela que nosos pais já vislumbravam: "A regra infalível de interpretação das Escrituras é a própria Escritura. Portanto, sempre que houver dúvida quanto ao verdadeiro e pleno sentido de qualquer passagem (sentido este que não é múltiplo, mas um único), essa passagem deve ser examinada em confrontação com outras passagens, que falem mais claramente. O juiz supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas devem ser resolvidas e todos os decretos e concílios, todas as opiniões de escritores antigos e doutrinas de homens devem ser examinadas, e os espíritos provados, não pode ser outro senão a Sagrada Escritura entregue pelo Espírito Santo. Nossa fé recorrerá à Escritura para a decisão final" (Confissão de Fé Batista de 1689, I, 9 e 10).

Como crentes e estudantes da Palavra - sendo teólogos formais ou não - aceitamos plena e tranquilamente a evidência quanto à autoridade da Escritura. Por isso, somos muitas vezes perjorativamente cognominados de bibliólatras. É claro que há um engano, no mínimo. Como Jesus, devemos ser fiéis à Escritura e nos pautar pela mesma em tudo o que crermos e fizermos. Contudo, devemos estar alerta. Assim como Jesus esteve. Porque o inimigo também pode usar (abusar) a Escritura contra nós, em citações que até cumpram os quesitos acadêmicos, mas de maneira alguma os pneumáticos, isto é, no Espírito que a inspirou.

Jesus foi fiel à Escritura em todo momento - mas de modo algum foi um mau usuário da mesma. Quando o diabo lhe disse "está escrito", Jesus soube prontamente conferir a Escritura com a Escritura: "também está escrito". Assim, Jesus não negou a Palavra, mas a afirmou na sua hermenêutica pneumática e totalitária. De que maneira? Simples: se sua interpretação de qualquer texto bíblico chocar-se, negar ou contradisser outra passagem da Escritura, então sua interpretação está equivocada. Você está citando a Escritura à semelhança do diabo. A interpretação do diabo fazia  a Escritura contradizer-se em algum ponto. Essa é  a marca da besta na teologia - sustentar contradições bíblicas, pondo a Escritura em conflito consigo mesma.

"Também está escrito". Esse advérbio (pálin no grego) é o desafio e o perigo da tarefa teológica. É preciso muita atenção e cuidado ao citar ou ouvir textos da Escritura. Ela é nossa fonte de autoridade, sem dúvida. E devemos ser-lhe submissos em tudo. Assim, é claro que devemos citá-la sempre, tê-la em nossa mente e lábios. Mas o que queremos dizer é que precisamos, como Cristo, conhecer e estudar a Escritura para nos assegurarmos de seu conteúdo e de sua doutrina, crescendo em seu conhecimento "Antes crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora, como no dia da eternidade. Amém" (2Pe 3.18).

Devemos conhecer a Escritura cada vez melhor, conhecê-la no todo, e não apenas em parte, pois, do contrário, certamente cairemos no laço da falsa teologia do diabo, através do mau uso da Escritura nas seitas e falsos cristianismos, ídéias heréticas, teologias reprováveis e coisas semelhantes que até nos parecem corretas e bíblicas a princípio, baseadas num falso fundamento bíblico, mas completamente destituídas do Espírito da Palavra.

É muito comum pessoas virem trazendo idéias distantes daquilo que as Escrituras ensinam e, na tentativa de nos cativar, usam até as Escrituras. E não me refiro apenas às seitas (Testemunhas de Jeová, Mórmons, Adventistas, Pentecostais, dentre outros), mas também a muitos grupos que se afirmam cristãos e evangélicos e reformados e bíblicos. Elas dizem está escrito, mas devemos voltar à Escritura, como Jesus, e evitar toda confusão e contradição, para reafirmar a própria Escritura: também está escrito.

Que os ímpios chafurdem e vivam suas contradições, mas aos cristãos verdadeiros tal não é permitido. Toda interpretação que ponha a Palavra em contradição deve ser rejeitada como diabólica. É por isso que nossos pais rejeitaram o Anticristo (papa) e sua teologia antibíblica. E devemos hoje rejeitar toda doutrina que negue a Escritura, seja a mentira quase universal do chamado livre-arbítrio, seja o carismatismo e a doutrina demônica do contemporanismo, etc. Só um parêntese: veja a terrível contradição entre os chamados reformados e até alguns que supostamente se afirmam batistas. Tanto a CFB 1689 quanto a Confissão de Westminster (Reformada) são cessacionistas! Você pode ser um contemporanista, mas jamais um contemporanista defensor da CFB 1689. Haja incorerência por parte de tantos!

Vamos a exemplos práticos. Está escrito que Jesus tomou sobre si nossas enfermidades (Is 53.4). O profeta claramente está falando do pecado e da iniquidade daqueles por quem Cristo morreu. Mas os carismáticos (romanistas e evangélicos) evocam aí o curandeirismo. Detalhe: mas também está escrito que verdadeiros servos de Jesus tinham enfermidades muitas vezes (Fl 1.25-27; 2Tm 5.23). Está escrito que Jesus é o Filho de Deus, mas também está escrito que Jesus é o próprio Deus, fazendo referência à Trindade Santa (Mt 28.19; Rm 9.5). Está escrito que Deus descansou e santificou o sábado na Antiga aliança (Ex 20.8-10), mas também está escrito que na Nova aliança a igreja reúne-se para culto no primeiro dia da semana (At 20.7; Jo 20.19; 1Co 16.2). Está escrito que em Cristo não há mais homem nem mulher (Gl 3.28), mas também está escrito que o homossexualismo é grave estado de pecado contra Deus (Rm 1.27-27) e também está escrito que a mulher fique em silêncio na igreja e que é vergonhoso para a mulher o falar na igreja, ou exercer autoridade na igreja (1Co 14.34-38; 1Tm 2.11-15). Está escrito que devemos obediência e honra ao Estado, às leis civis e aos mandatários (Rm 13.1-7), mas também está escrito que, em caso de impasse, a obediência à Palavra de Deus está acima de qualquer outra coisa, inclusivo do Estado e da igreja institucional (At 4.19). E assim por diante.
De maneira que, citar simplesmente um texto bíblico - está escrito - é importante, é o primeiro passo, mas é preciso averiguar todo o restante da Escritura (a regra áurea, lambram? A Bíblia interpreta a si mesma. Toda interpretação que negue qualquer passagem da Escritura ou a ponha em contradição consigo mesma é falsa).
Lidar com a Palavra de Deus não é brinquedo de criança nem atividade lúdica de mero passatempo. É algo muito sério,  solene e trabalhoso. E altamente recompensador. Mesmo enfrentando tais dificuldades, essas sombra e essa perseguição diabólica travestida de bem no falso uso da Escritura, não podemos jamais trilhar outro caminho senão o da Escritura.

Estamos na mesma situação de Pedro, quando Jesus proferiu um duro sermão, o que levou muitos a bandoná-lo, então o senhor encarou os discípulos e perguntou-lhes: "Quereis vós também retirar-vos? Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna" (Jo 6.67,68).

Assim também não podemos evitar a tentação teológica - é impossível a tarefa de lidarmos com o texto da Escritura. Por isso, somos muitas vezes acossados e muitas vezes perseguidos, mas no lugar certo - na Palavra da vida eterna. Sendo assim, isso requer de nós estudo, oração e humildade, pois carecemos do auxílio daquele que nos guia em toda a verdade (Jo 16.13), o Espírito Santo. É por isso que toda teologia negadora da Escritura, em qualquer ponto, nada tem a ver com a Terceira Pessoa da Trindade. Ao sermos envolvidos com a Palavra, não estamos lidando apenas com algo, mas também com Alguém - o Espírito do Senhor. Onde a Palavra é confirmada, ali o Santo Espírito confirma. A Palavra é o selo do Espírito.


Que Deus nos ajude e nos abençoe para que vençamos a cada dia as nossas tentações teológicas e os desafios que elas nos trazem. Mas que Deus mesmo jamais permita que fujamos às tais, pois, como alguém já disse, não há tentação pior que o fato de não sermos tentados. Antes um crente tentado firme na  Escritura, que um não-tentado ausente da Palavra. Amém!