Confissão de Fé Batista de 1689

Confissão de Fé Batista de 1689
Um exposição objetiva da Palavra de Deus contra as falsas teologias

quarta-feira, 24 de março de 2010

Aves dos Céus sob a Sombra do Reino (A história da guerra pela verdade do Evangelho travada na Igreja)

(Estes são os dois primeiros capítulos do novo livro do Pr. Gildásio Sousa)

INTRODUÇÃO
A leitura da Palavra de Deus, bem como a própria História da Igreja, revela-nos uma guerra que vem sendo travada por dois lados antitéticos e assombrosamente hostis. São eles: a Verdade da Palavra de Deus, e sua negação por parte do diabo e dos homens ímpios, através principalmente do falso evangelho. Essa guerra não começou, todavia, no Novo Testamento. Já vem sendo travada desde os primórdios da Criação – desde a rebelião de Lúcifer e seus asseclas.

Esse conflito, no entanto, entrou na história humana ainda muito cedo, lá no Jardim do Éden, onde o primeiro casal humano foi seduzido e alistado a unir-se em rebelião contra o Senhor, ao dar crédito à mentira de Satanás. Uma vez posto em meio ao tenebroso conflito, a humanidade desde então participa ativamente de cada lance dessa batalha, em que os filhos de Adão estão arrolados em ambos os lados: uma grande multidão que trilha o caminha largo e espaçoso, e um pequeno rebanho que, pela Soberana escolha de Deus desde a Eternidade, sustenta a Verdade da Palavra, sem negociar nem sequer um milímetro da mesma, ainda que isso muitas vezes lhe tenha custado preço de sangue.

É sobre essa guerra que iremos falar. Atravessaremos os campos dos séculos e das gerações para contemplar os capítulos desse combate. Seremos testemunhas da malícia e do ódio contra a Verdade da Palavra de Deus. Veremos também o sofrimento e o sacrifício da própria vida por amor a essa mesma Verdade. Nós mesmos seremos desafiados a empunhar a Espada do Espírito e tomar partido em meio ao conflito, o qual vai se acirrando à medida que os tempos avançam para o seu clímax – a vitória da Verdade da Palavra de Deus sobre todo o mal e mentira e engano.

As posições já foram determinadas desde o princípio. Em algum desses lados cada ser humano já se encontra. Não há meio-termo ou neutralidade. De que lado você está?

Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34).

Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 3).

Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema. Como antes temos dito, assim agora novamente o digo: Se alguém vos pregar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema” (Gl 1.8,9).

Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem a Deus; quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras” (2Jo 9,10).

I
Jesus, o Mestre da Verdade
"Eu sou (...) a verdade" (Jo 14.6).

A REGULA FIDEI
Os livros neo-testementários são registros de uma guerra. Suas páginas delineiam os limites, as fronteiras e as posições demarcadas para cada um dos lados. Os Evangelhos e, especialmente, as Epístolas – e com veracidade toda a Bíblia – demarcam o terreno da Verdade, fazendo fronteira entre A Palavra de Deus (o ensino, a doutrina revelada pelo Espírito Santo) e o engano de Satanás e dos réprobos.

A preocupação principal dos escritos neo-testementários é delimitar a regula fidei – a regra de fé, isto é, o padrão doutrinário, conforme Paulo escreveu a Timóteo: “Como te roguei, quando partia para a Macedônia, que ficasses em Éfeso, para advertires a alguns que não ensinassem doutrina diversa” (1Tm 1.3). A heterodoxia (doutrina divergente e contrária ao padrão bíblico) jamais poderia ser aceita pela comunidade cristã.

Começando pelos evangelhos, sabemos que foram escritos não apenas para informar, mas para dar a plena certeza dos fatos, instruir (Lc 1.1,3), despertar a fé (Jo 20.30,31), corrigir outras narrativas que corriam entre os discípulos e concorriam contra a veracidade dos fatos – a Verdade da Palavra de Deus (seja no caso dos Apócrifos – narrativas acerca de Jesus e do Evangelho sem a inspiração divina, o Théopneustos; seja na má interpretação que cristãos professos faziam e popularizavam acerca da Palavra de Deus – como em Jo 20.23, ou At 15.).

Assim, podemos perceber claramente nas páginas dos Evangelhos o objetivo de delimitar a Fé (demarcar os limites do padrão de fé) através da Doutrina (didaskalía) de Jesus (Mt 7.28), em contraposição ao ensino dos homens (Mt 15.9).

Nas páginas do Novo Testamento Jesus nos é apresentado como um doutrinador por excelência. Somos lembrados disso todas as vezes que o Senhor é chamado pelos títulos que o acompanham mais de perto durante seu ministério terreno: Profeta (Mt 13.57; 14.5; 16.14; 21.11, 46; Mc 6.4; Lc 7.16; 9.8; 13.33; 24.19; Jo 4.19; 6.14; 7.40; 9.17; At 3.22,23; 7.37). Mestre (Mt 8.19; 9.11; 10.24,25; 12.38; 19.16; 17.24; 22.16, 24, 36; 23.8; 26.18; Mc 4.38; 5.35; 9.5,17,38; 10.17,20,35,51; 11.21; 12.14,19,32; 13.1; 14.14; Lc 5.5; 7.40; 8.24,45,49; 9.33,38,49; 10.25; 11.45; 12.13; 17.13; 18.18; 19.39; 20.21,28;39; 21.7; 22.11; Jo 1.38; 3.2; 8.4; 11.28; 13.13,14; 20.16). Rabi (ou Raboni – ambos significam a mesma coisa: mestre, professor, doutrinador) (Mt 26.49; Jo 1.38, 49; 3.2; 4.31; 6.25; 9.2; 11.8; 20.16).

Em linhas gerais, vemos que nos Evangelhos Jesus é chamado de Profeta 17 vezes; Mestre 54 vezes; Rabi (Raboni) 9 vezes. Portanto, os Evangelhos nos apresentam o Jesus que, por excelência, é amplamente designado como Mestre (Professor, Doutrinador). Isso deixa bem claro a perspectiva apresentada pelos evangelistas quanto à imagem que desejam passar aos seus leitores e o objetivo que anseiam incutir nos mesmos: apreender a doutrina (o ensino) de Jesus.

Os evangelhos apresentam Jesus ensinando – um quadro repetido pelo menos 9 vezes, como em Mt 9.35: “E percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino, e curando toda sorte de doenças e enfermidades”; Mc 6.6b: “Em seguida percorria as aldeias circunvizinhas, ensinando (...)”; Lc 13.22: “Assim percorria Jesus as cidades e as aldeias, ensinando, e caminhando para Jerusalém”. Mateus 26.55b resume bem o ministério doutrinário de Jesus: “Todos os dias estava eu sentado no templo ensinando (...)”; e ainda Mt 21.23a: “Tendo Jesus entrado no templo, e estando a ensinar (...)”. Temos, portanto, um belo resumo da obra de Jesus realizada entre os homens.

Talvez por isso, à medida que os evangelhos avançam, desde Marcos – o primeiro a ser escrito – até João – o último – vemos um Jesus que vai passando da operação de sinais e prodígios aos discursos doutrinários. Em Marcos temos um Jesus sempre operante e em ação. Fala pouco e age muito. Seus sinais e ações apresentam sua pessoa e ensino.

No entanto, começando por Mateus, passando por Lucas e, especialmente em João, temos um Jesus que age, que opera os mesmos grandes sinais e prodígios de Marcos, mas que passa a maior parte de seu ministério doutrinando seus discípulos, discutindo com a teologia judaica, confrontando o falso ensino dos fariseus, depurando e revelando a Palavra da Verdade dada pelos Profetas, enquanto condena e desmascara a mentira e a falsa teologia dos líderes judaicos.

O MINISTÉRIO DOUTRINÁRIO DE JESUS
Uma vez que, ao lado de seu sacrifício vicário, a principal tarefa do ministério terreno de Jesus é ensinar (revelar) a Verdade da Palavra de Deus, confrontando e negando a falsa doutrina da tradição dos homens (Mt 15.6,9), Jesus naturalmente se apresenta a si mesmo como Mestre (conf. Jo 13.13: “Vós me chamais Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque eu o sou”), no que é seguido pelos seus ouvintes, e ainda mais direta e firmemente pelos seus discípulos.

De maneira ainda mais direta os Evangelistas procuram dar ênfase ao aspecto didático da obra de Jesus, a fim de que todos os que lerem ou ouvirem os seus testemunhos tenham o mesmo entendimento acerca do Filho de Deus – o Verdadeiro doutrinador da Verdade; a Palavra Encarnada que testifica da Palavra Escrita; o Logos que revela as logias; o Deus que revelou a Palavra aos profetas, e que agora a explica e a ensina aos filhos dos profetas.

O Título mais aplicado a Jesus, em todo o NT, é Senhor (Kúrios) – o que envolve sua Divindade e, portanto, sua Autoridade para fazer, falar, ensinar, corrigir e condenar. Só nos Evangelhos Jesus é chamado de Senhor aproximadamente 200 vezes. A seguir, o segundo título mais aplicado a Jesus é Mestre (Didáskalos) – o que envolve seu caráter Didático, isto é, Doutrinário, acentuando o traço característico de Ensinar a Verdade, Corrigir o erro e “Condenar o oposto ao seu ensino”.

Essas características são muito bem demonstradas em todos os Evangelhos. Jesus está sempre doutrinando (ensinando) os seus, enquanto confronta e desmascara o ensino dos oponentes. Podemos ver isso em algumas passagens mais diretamente.

FALSA DOUTRINA, VÃ ADORAÇÃO
Em Mateus 15.1-20, temos um confronto bastante direto entre a Doutrina de Jesus (a Escritura) e o ensino dos fariseus (a tradição judaica), veja especialmente o verso 9: “Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homem.”

Jesus deixa clara a fronteira entre a Verdade (sua Palavra, a Escritura) e a interpretação errônea na doutrina mantida e ensinada pelos fariseus (um ensino religioso recebido pelos judeus como sagrado e verdadeiramente teológico, estando, para eles, de acordo com a vontade de Deus, no que estavam redondamente enganados).

Pela palavra de Jesus contida nesse episódio, seria um total absurdo supor que uma pessoa poderia concordar com a doutrina dos fariseus e ainda assim estar servindo a Deus; ou alguém defender tal tradição dos homens – o que evidentemente negava a Palavra e o ensino de Jesus – e ainda assim alegar ser um discípulo ou seguidor de Jesus; ou ainda permanecer neutro quanto à questão, sem radicalizar seja para o lado de Cristo, seja para o lado dos fariseus, afinal de contas todo lado tem lá sua verdade, não é mesmo?

O AGNOSTICISMO TEOLÓGICO E O UNIVERSALISMO EVANGÉLICO
Pois essa é a primeira coisa a ser condenada por Jesus. Ao condenar a interpretação equivocada na doutrina farisaica e revelar a Palavra de Deus e seu correto entendimento, Jesus condena ambas estas posições, hoje aceitas até por muitos que se dizem cristãos:

a) Não existe verdade clara e segura para alguém ou algum grupo julgar-se correto ou dono da verdade;
b) Todos estão certos, ainda que haja diferenças e mesmo contradições em seus dogmas.

Ao agir dessa maneira, Jesus condena o agnosticismo teológico (a verdade plena não está com ninguém) e o universalismo evangélico (aceitação de toda e qualquer confissão de fé como válida).

Jesus assume também uma posição exclusivista, pois afirma que a adoração daqueles que tinham uma tal doutrina degenerava-se em uma falsa adoração (v.9). Logo, a doutrina de Jesus é-nos apresentada nos Evangelhos como Exclusivista, isto é, separava os seus discípulos dos outros grupos que mantinham uma doutrina diversa e adversa à do Mestre; e ainda mais: excluía os heterodoxos (os que defendiam uma opinião doutrinária divergente) como adoradores vãos e ignorantes acerca da doutrina Verdadeira do Deus Vivo. E, a partir de então, o exemplo do Mestre será seguido muito de perto pelos evangelistas e apóstolos nas páginas do Novo Testamento.

A INSUPORTÁVEL COSMOVISÃO BÍBLICA
Não podemos pensar que seja possível alguém ter uma doutrina adversa à doutrina de Cristo e ainda assim estar servindo verdadeiramente a Deus de alguma forma. Mesmo que essa doutrina lide com coisas não tão fundamentais assim. O fato é que, como veremos mais adiante, não podemos categorizar a Palavra de Deus em níveis diferentes: esta parte é fundamental, esta outra é negociável. Na Palavra de Deus nenhum ponto é negociável. Como já foi dito: “Se a cosmovisão bíblica é insuportável para alguém, então que o tal abandone o título de cristão!”.

Para Jesus não era possível alguém deturpar Sua doutrina e ainda assim permanecer seu discípulo. A autoridade e amplitude da Escritura eram indisputáveis para o Mestre, e assim Ele exigia que fosse para cada um dos seus, tanto na prática pessoal, quanto no doutrinamento de outros.

Repudiar a doutrina da Palavra e / ou ensinar doutrina de maneira contrária à Lei de Deus, mesmo em seu menor aspecto (e aqui Jesus fala evidentemente do aspecto Moral da lei) era revelar-se debaixo do grave juízo de Deus: “Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus” (Mt 5.18,19).

Existe certa divergência entre os estudantes do NT acerca da correta interpretação de Mt 5.19. Para alguns (como John MacArthur em sua Bíblia anotada), o texto refere-se a uma condição menor no reino dos céus (conf. Mt 11.11; Mt 20.23; 1Co 3.12-15), não implicando o caráter de não-salvação, mas uma ênfase sobre o ensinar e praticar, pois muitos há que não praticam o que ensinam. Contudo, não parece ser essa a idéia do Senhor e do evangelista.

Para outros teólogos (Novo Comentário da Bíblia, Vida Nova), “não é possível concluir se o Senhor se refere aqui aos que não têm valor no reino e que nele nunca entrarão ou se está indicando que haverá diferenças de posição e galardão entre os salvos no estado final”. Porém, baseado em Mt. 18.1-9, indica a primeira opção como a mais provável: pessoas que não têm valor no reino de Deus e que nele nunca entrarão. Se olharmos ainda para outros textos da Bíblia, como Gl 1.8,9 ou 2Jo 9-11 (onde John MacArthur assume agora a alternativa mais radical), teremos de concordar com tal posição.

A ênfase de Cristo, contudo, fica bastante clara quando acompanhamos o desenvolvimento do tema no mesmo evangelho de Mateus 13. 41-43: “Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles ajuntarão do seu reino todos os que servem de tropeço, e os que praticam a iniqüidade, e lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça”; e 13.47-50: “Igualmente, o reino dos céus é semelhante a uma rede lançada ao mar, e que apanhou toda espécie de peixes. E, quando cheia, puxaram-na para a praia; e, sentando-se, puseram os bons em cestos; os ruins, porém, lançaram fora. Assim será no fim do mundo: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes”.

O REINO – PEDRAS E ESPINHOS, JOIO, AVES DOS CÉUS, FERMENTO E PEIXES RUINS

Em Mateus 13, temos várias parábolas narradas por Jesus para revelar aos seus discípulos (e só aos eleitos, conf. v.10-17) os mistérios do reino de Deus. E o que Jesus nos revela sobre a natureza do reino dos céus? Que nesta atual dispensação dos últimos dias (a era que foi inaugurada com a vinda de Cristo e que será consumada com o seu retorno glorioso) o reino dos céus (ou de Deus) estará mesclado em aparente confusão, cheio de conflitos intensos, da seguinte forma:

a) Diferentes solos receptores da mesma semente (v.3-8; 18-23): mesmo solos ruins e reprovados terão certa participação no reino, usufruindo certas graças e benefícios, mas sempre rejeitados e reprovados (conf. Mt 7.22,23; Hb 6.4-8);

b) Trigo e joio cultivados na mesma lavoura (v.24-30,36-43): a convivência antitética e oposta do trigo e do joio, lado a lado, enraizados no mesmo solo, tendo a mesma aparência, mas de natureza completa e totalmente oposta;

c) Aves dos céus (símbolos do mal e da presença de Satanás) sob a sombra do reino, dele participando de uma certa forma, em benefício próprio, e dele tirando proveito (v.4,19,31,32);
d) Fermento na massa (sempre usado simbolicamente na Bíblia para representar o pecado e o mal; e em todas as citações no NT), conf. Mt 13.33; 16.6,11,12; Mc 8.15; Lc 12.1; 13.21; 1Co 5.6-8; Gl 5.9): ação imperceptível que leveda, oculta-se na massa, tendo o mesmo sentido da parábola do grão de mostrada, onde o mal se faz presente no reino, nele atuando de forma oculta e camuflada, e dele tirando vantagem;

e) Peixes ruins apanhados na rede do reino (v. 47-50): lançada a rede do reino, acoplam-se a ela os verdadeiros convertidos pelo Espírito, mas também filhos do diabo que, externamente, aparentam ter natureza semelhante aos filhos do reino, o que será revelado no juízo final (v.49), onde então estes malignos serão expostos e rejeitados.

Vemos, pois que, nesse contexto, reino dos céus significa o modus operandi de Deus durante o tempo do evangelho na atual dispensação, isto é, a maneira como o reino de Deus se apresenta nesta presente era até o retorno de Jesus Cristo; e não necessariamente o alcance salvífico ou o pertencimento de fato ao reino daqueles que lhe são mencionados ou a ele estão meramente relacionados.

Da mesma forma, a parábola das bodas em Mateus 22.1-14 é pronunciada por Jesus com o intuito de enfatizar o que o Senhor já vinha explicando nas parábolas anteriores. Atentemos para alguns elementos já expostos nas outras parábolas.

Primeiro, podemos destacar a ira de Deus contra os homens ímpios e incrédulos (v.7,13), conforme também Mt 21.40,41, Jo 3.36.

Segundo, temos novamente exposto aqui o corpus mixtum em que se constitui a igreja nesta presente era (bons e maus) (v.10), isto é, salvos e não-salvos; pessoas verdadeiramente nascidas de novo pelo Espírito Santo e pessoas que nunca foram e nem jamais serão transformadas. O reino de Deus visível nesta atual dispensação constitui-se de sementeira mesclada (joio e trigo), solos mistos (beira do caminho, pedras e espinhos, terra boa), ímpios sob a bandeira da fé (aves aninhadas sob a mostardeira), massa cristã infectada e fermentada pelos filhos do maligno (fermento na massa), ministros de Satanás concorrendo na mesma rede da fé (peixes ruins apanhados pela rede do reino). Encontram-se ambos desses elementos dentro da igreja, no seio da cristandade.

Terceiro, o juízo de Deus contra o falso evangelho oculto e camuflado no seio do cristianismo (v.14). Conforme Basil F.C. Atkinson, em O Novo Comentário da Bíblia: “O contexto dá a entender que o verso 14 ensina que há muitos ouvintes do evangelho e membros da igreja visível e apenas poucos corações estão em comunhão com Deus”.

Sendo assim, fica claro que nem todo cristão professo é um verdadeiro salvo, e, da mesma forma, nem toda igreja ou grupo religioso pretensamente cristão é de fato um povo do Senhor, segundo a Santa Doutrina da Palavra de Deus. Ser convidado a participar do reino e, exteriormente dele tomar parte, não significa necessariamente a inclusão no mesmo.

O comentário da Bíblia de Genebra esclarece: “receber um convite para o reino de Deus não garante a inclusão nele. Pois o convidado deve estar apropriadamente vestido (conf. Zc 3.3-5; Ap 3.18; 19.8). Ainda que cada um que ouve o evangelho tenha sido convidado [conf. v.9], e ainda que muitos possam alegar que estão no reino, somente os que estão vestidos com a justiça de Cristo são realmente apresentáveis a Deus. Só os que são escolhidos [v.14] estarão presentes na ceia das bodas do Cordeiro, e esta eleição não depende de qualquer status [humano] anterior (8.11,12)”.
É interessante também atentarmos para o comentário de John MacArthur em sua Bíblia de Estudo: “isso significa que as vestes nupciais eram supridas pelo próprio Rei. Então a falta da vestimenta adequada daquele homem indica que ele havia rejeitado propositadamente graciosa provisão do próprio Rei. Sua afronta ao Rei era realmente um insulto maior do que o daqueles que se recusaram a vir então, porque ele cometeu sua impertinência ali na presença do Rei. A ilustração parece representar aqueles que se identificam com o reino externamente, professam ser cristãos, pertencem à igreja em um sentido visível – porém desprezam a veste de justiça que Cristo oferece (conf. Is 61.10) por procurar estabelecer uma justiça própria (conf. Rm 10.3; Fl 3.8,9). Envergonhados de admitir sua própria pobreza espiritual, eles recusam a vestimenta melhor graciosamente oferecida pelo Rei – e assim eles são culpados de um horrível pecado contra a bondade do Rei”.

É claro e patente que um evangelho que repouse sobre o homem alguma parcela da glória da salvação (seja pelas boas obras da igreja romana, seja pelo livre arbítrio e cooperação do homem na igreja evangélica arminiana) condena-se a si mesmo perante o verdadeiro caráter do Evangelho: salvação tão somente pela graça sem a contribuição em nada do homem (Ef 2.8,9). Que os caridosos evangélicos defensores da fraternidade universal entre cristãos e igrejas (independentemente de sua fé e doutrina) respondam a tais questões.

DIZE-ME O QUE CRÊS, E DIREI QUEM TU ÉS
E assim, o próprio Jesus (sem falar no próprio evangelista) parece nos indicar tal caminho, como podemos perceber em Mateus 7.24-27: “Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem prudente, que edificou a casa sobre a rocha. E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa; contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em prática, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia. E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu; e grande foi a sua queda”; 8.12: “mas os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes”; 10.32,33: “Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus”; 15.6-9: “E assim por causa da vossa tradição invalidastes a palavra de Deus. Hipócritas! bem profetizou Isaias a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim. Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homem”; e também 18.1-9: “Naquela hora chegaram-se a Jesus os discípulos e perguntaram: Quem é o maior no reino dos céus? Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe. Mas qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do mundo, por causa dos tropeços! pois é inevitável que venham; mas ai do homem por quem o tropeço vier! Se, pois, a tua mão ou o teu pé te fizer tropeçar, corta-o, lança-o de ti; melhor te é entrar na vida aleijado, ou coxo, do que, tendo duas mãos ou dois pés, ser lançado no fogo eterno. E, se teu olho te fizer tropeçar, arranca-o, e lança-o de ti; melhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, ser lançado no inferno de fogo”.

Atentemos ainda a Mt 12.30: “Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha”. Vemos aqui a radicalidade de Jesus quanto a sua doutrina, onde não há possibilidade de meio-termo: ou apresentamos a doutrina de Cristo, ou O negamos. Ou pregamos o genuíno evangelho, ou o desprezamos. Basil F. C. Atkinson comenta tal referência: “Ou ganhamos almas para Cristo, ou afugentamo-las de Deus. Em Mc 9.40 o inverso desta verdade é ensinado. Este trecho se aplica a qualquer ensino positivamente antibíblico”.

Quanto ao trecho de Mc 9.40, refere-se à verdadeira defesa do evangelho por grupos que não estão necessariamente associados a nós, conf. Lc 9.49,50: “Disse-lhe João: Mestre, vimos um homem que em teu nome expulsava demônios; e lho proibimos, porque não segue conosco. Respondeu-lhe Jesus: Não lho proibais; porque quem não é contra vós é por vós”.

As referências são claríssimas. Para ser genuinamente cristão, um grupo não precisa necessariamente caminhar conosco, entre nós, em termos de Convenções ou Associações humanas. Precisa, sim, onde quer que esteja, ainda que não associativamente ligado a nós, pregar e defender a genuína doutrina bíblica. Por outro lado, mesmo que alguém esteja ou pense estar associado à Igreja bíblica, mas defendendo ou pregando um evangelho de caráter diferente, na verdade contraria a Bíblia e à comunidade verdadeiramente bíblica (Gl 1.8).

SUA DOUTRINA REVELA O ESTADO DE SUA ALMA
Conforme Mt 12.37, as palavras não são a causa, mas a evidência de salvação, ou de não-salvação. Assim, a doutrina sustentada por uma pessoa ou grupo revela o estado espiritual dos tais. Diga-me o que você crê, e direi quem você é. Curiosamente, John MacArthur prefere não comentar nem o verso 30, e nem o verso 29, que apóia plenamente o A-milenismo das igrejas reformadas, negando a visão Pré-milenista (dispensacionalista ou não, com suas duas vindas de Cristo e sua visão judaico-quiliástica), incorporada à Escatologia de muitos grupos heterodoxos, entre eles o pentecostalismo. Mas isso será assunto de outro texto. Voltemos a Mateus 15.

Este capítulo é-nos bastante útil para confrontar, com o próprio Jesus, in loco et in persona et in ipsissima vox, o conceito de alguns teólogos e cristãos professos que deduzem ser possível alguém negar certa doutrina bíblica e ainda assim permanecer um cristão, pois, segundo os tais, não está sendo negada uma doutrina fundamental.

Contudo, aqui já nos seria possível adiantar uma questão: Quais seriam, portanto, as doutrinas fundamentais e quais não seriam? Quem estaria apto a dizê-lo? É possível fazer tal julgamento? Existe alguma doutrina revelada na Palavra de Deus que poderia ser negada sem prejuízo da Fé e da Verdade? Alguns pretendem que seja assim. Mas nós duvidamos. E veremos por quê.

Voltemos ao texto. Aqui Jesus condena a teologia dos fariseus. Mas não apenas isso. Ao condenar a doutrina daqueles religiosos – atente para o fato de que Jesus não comenta absolutamente nada acerca da devoção pessoal ou da sinceridade daqueles homens.

Jesus não se atém a questões subjetivas, ainda que revele claramente aqui mesmo (v.7) e em muitas outras ocasiões a hipocrisia daqueles religiosos.
Contudo, essa hipocrisia é vista como a conseqüência, e não a causa da ruína espiritual daqueles homens. Para Jesus, a causa principal estava na ignorância e na distorção da Palavra (v.15,16). Ao rejeitar a Verdade da Palavra de Deus, o coração endurecido daqueles homens é entregue a toda sorte de danos e males, incluindo a hipocrisia e o falso culto (v.9), transgredindo e invalidando (negando, anulando) a Palavra de Deus (v.2, 6).

Nas Palavras de Vincent Cheung, em sua Teologia Sistemática: “Do mesmo modo que a teologia errônea conduz ao desastre espiritual e prático, a teologia correta conduz à adoração genuína e à vida piedosa (...). Na maioria das vezes, sua versão [dos negadores da doutrina bíblica] de Jesus não se parece, nem remotamente, com o relato bíblico. Isso significa que não o conhecem de forma nenhuma, sem falar de outros tópicos teológicos importantes, como infalibilidade bíblica, eleição divina e governo da Igreja” (p. 25).

Em Mateus 22.42 Jesus revela a importância do pensamento e da compreensão teológica de uma pessoa, indicando que o relacionamento de alguém com Deus está subordinado à sua compreensão da Revelação Doutrinária da Palavra de Deus. Que pensais vós? Esta é a frase muitas vezes usada por Jesus para introduzir uma certa questão ou testar alguém (v. 17; 17.25; 18.12; 21.28; 26.66).

O objetivo de Jesus em todos esses casos era confrontar e denunciar as falsas teologias sustentadas por grupos religiosos cuja doutrina fugia à Palavra de Deus, e ainda revelar o verdadeiro entendimento e compreensão da Escritura, evitando que seus discípulos incorressem numa teologia falsa e sem sustento da Palavra de Deus, o que lhes traria dano e confusão.

É verdade. A Bíblia nos alerta. Teologia errônea conduz ao desastre espiritual. Um Jesus diferente do Jesus da Bíblia não é Jesus de forma alguma. Um deus diferente do Deus único da Bíblia, não é Deus em nenhuma hipótese. Como exemplo, citamos a concepção arminiana de deus – nada mais que um ídolo maquiado e manipulado para parecer o Deus da Bíblia, mas desmascarado quando exposto às doutrinas bíblicas, especialmente quanto à Soberania Absoluta, amor salvífico Eletivo na Predestinação, e ira contra os ímpios.

Dessa maneira, para Jesus não há possibilidade de alguém negar ou distorcer a sua Doutrina e ainda assim servir verdadeiramente a Deus. Pelo contrário: tal negação já é a evidência mais explícita de que não tem parte com o Senhor (conf. 2Jo 9-11).

O mesmo podemos observar no Apóstolo Paulo. Após detalhar o grande capítulo nove de Romanos, acerca da Eleição Incondicional para a Salvação, o capítulo dez começa com o ardor missionário-evangelístico-doutrinário (características que jamais poderiam ser separadas, veja o capítulo 2 – Evangelizar é Doutrinar. E Vice-Versa).

Paulo começa expressando seu desejo e oração pela salvação de seus compatriotas (os judeus). E então somos informados pelo Apóstolo a razão de estar ele tão convicto da não-salvação de seu próprio povo, apesar de o próprio Paulo ser testemunha do zelo e dedicação religiosa dos tais: “Irmãos, o bom desejo do meu coração e a minha súplica a Deus por Israel é para sua salvação. Porque lhes dou testemunho de que têm zelo por Deus, mas não com entendimento. Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à justiça de Deus” (Rm 10.1-3).

Para o Apóstolo de Cristo é evidente que aquele povo não participa da salvação. E isso está revelado pelo não-entendimento sustentado por eles, em sua errônea teologia e práticas antibíblicas.

Nem mesmo o zelo por Deus pode ser prova evidente de salvação. A salvação nos traz zelo pelas coisas de Deus, mas o mero zelo – privado do correto entendimento (verdadeira teologia) – não pode ser tido como salvação afinal. Fogo sem teologia correta é mero prenúncio de fogo do juízo divino.

Repetimos: o verdadeiro entendimento nos traz zelo; porém o mero zelo sem entendimento significa apenas condenação. Aí está o motivo por que todo verdadeiro crente e toda verdadeira igreja têm como prioritário a Doutrina Santa da Palavra, e não meramente atividades sociais e recreações para entreter pessoas cambaleantes que seguem em direção ao inferno. Como dizia Charles Haddon Spurgeon: “Devemos alimentar as ovelhas, e jamais entreter os bodes”. E ainda: "O diabo raramente criou algo mais perspicaz do que sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo". A incorreta compreensão, a falsa doutrina, a ignorância teológica revela não-salvação, ainda que acompanhado de muito zelo.

CONFISSÃO INCOMPLETA É NÃO-CONFISSÃO
Para o Novo Testamento, é importante e fundamental não apenas o que você crê, mas também o que você nega, pois a Verdade da Palavra de Deus possui caráter duplo: o que é afirmado e o que é negado.

Em Mateus 16 temos um excelente exemplo. Jesus pergunta a seus discípulos qual a opinião das pessoas acerca do Mestre. Os discípulos respondem com uma variedade de afirmações por parte do povo (v.13,14).

Observemos que tais afirmações não denegriam humanamente a imagem de Jesus nem pervertiam seu caráter, pois a própria Escritura o apresenta como Profeta: “Pois Moisés disse: Suscitar-vos-á o Senhor vosso Deus, dentre vossos irmãos, um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser” (At 3.22); e também Ele mesmo afirmara que: “Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu outro maior do que João, o Batista” (v. 11.11). Para Jesus não seria a princípio menosprezo alguém tê-lo por Profeta ou como o próprio João Batista.

A opinião pública deu ao Senhor uma posição de maior destaque, identificando-o com os heróis nacionais do passado. Sabemos, conforme Mt 21.26, que João era muito estimado pelo povo como profeta. A vinda de Elias foi profetizada por Malaquias (4.5) e os judeus ligavam muitas vezes o nome de Jeremias com o profeta prometido em Deuteronômio (18.15).

Contudo, tais afirmações, apesar de não serem condenadas em si mesmas por Jesus, não eram suficientes para demonstrar o caráter revelatório da obra do Espírito de Deus na vida dos eleitos: “Mas vós, perguntou-lhes Jesus, quem dizeis que eu sou? Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus” (v. 15-17).

Simão Pedro (e aqueles a quem ele representava e por quem falava) reconheceu e declarou abertamente a divindade do Senhor. O que era uma convicção que todos os outros discípulos aceitavam (conf. Mt 16.20).

Assim, Jesus pôs Pedro (e aqueles a quem Pedro representava) em um grupo separado dos demais homens, chamando-os de bem-aventurados, isto é, abençoados por Deus, porque aprouve ao Pai revelar-lhes tal Verdade, a qual nenhum homem por si mesmo jamais poderá conhecer, senão pela revelação específica e especial de Deus, uma obra do Espírito Santo na vida dos eleitos: “Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece plenamente o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece plenamente o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.25-27).

O problema teológico fundamental daquelas pessoas ouvidas pelos discípulos não estava naquilo que afirmavam, mas naquilo que negavam ou ignoravam, demonstrando não terem sido alcançadas pela obra revelatória da Verdade do Espírito de Deus.

Isso esclarece o motivo pelo qual Jesus concedeu à Igreja as chaves do reino dos céus: “dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares, pois, na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16.19); “Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano. Em verdade vos digo: Tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu; e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 18.17,18).

As chaves do reino, dadas primeiramente a Pedro e aos Apóstolos e depois a toda a Igreja, definidas como poder para ligar e desligar, têm sido entendidas comumente como a autoridade para supervisionar a doutrina e impor disciplina eclesiástica. Tal autoridade foi concedida por Cristo à Igreja em geral e à sua liderança ordenada em particular.

Conforme o comentário da Bíblia de Genebra acerca das “chaves do reino”, mas expandindo-o um pouco mais do o faz a própria editora Cultura Cristã, órgão oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, podemos compreender tal metáfora como os apóstolos que são o fundamento da Igreja; foi-lhes dado o poder de ligar e desligar, ou ‘as chaves’ que fecham e abrem portas. Os apóstolos abrem o reino àqueles que compartilham da confissão apostólica [a Doutrina Bíblica, conf. Gl 1.8,9, e não apenas a questão cristológica, como insinua a referida editora] e excluem aqueles que não recebem o testemunho da Igreja (Mt 10.14,15). Através da Doutrina dos Apóstolos Jesus revela sua própria Palavra de autoridade do reino. O fundamento apostólico da Igreja repousa sobre a Palavra escrita de Deus, as Escrituras, que são agora as chaves da autoridade de Cristo na Igreja (Ef 2.20; 3.5), através do poder do Espírito (Mt 18.18).

A pregação da Doutrina da Palavra, feita primeiramente por Pedro no Pentecostes e, a seguir, pelos demais Apóstolos e pela Igreja, abriu o reino dos céus para todo o crente, e fechou-o aos descrentes. No céu, Cristo sanciona o que é feito em Seu Nome, de acordo e em obediência à Sua Palavra (Mt 18.18).

MEIO EVANGELHO NÃO É EVANGELHO PLENO
O que se crê é fundamental, mas também é fundamental o que se nega. Alguém que creia em metade, ou partes da Bíblia, não é um cristão.

Os judeus crêem no Antigo Testamento, desprezando a Jesus e ao Novo Testamento; e a Igreja ao longo dos milênios jamais os reputou como cristãos.

Tertuliano (155-222), um dos Pais da Igreja, aceitava perfeitamente a Trindade Santa e a salvação pela graça. Contudo, foi seduzido pelo montanismo, uma corrente herética inovativa, reavilalista, e profética, fundamentada em manifestações espiritualistas de cunho extático e místico, com ênfase em novas revelações para a Igreja. Foi afinal considerado apóstata e herege.

Ário (256-336), presbítero da igreja de Alexandria; juntamente com seus seguidores aceitavam toda a Bíblia; negavam, entretanto, a Trindade Santa (a Divindade de Jesus Cristo). Foram expulsos pela Igreja como hereges.

Pelágio (360-420), monge e teólogo britânico, a quem Agostinho se opôs; cria nas Escrituras e na Trindade Santa, negava, contudo, a Predestinação, isto é, a salvação pela graça sem a contribuição das obras do homem. Foi expulso pela Igreja como herege. É digno de nota que as doutrinas pelagianas e semipelagianas (arminianismo), cuja base é negar a Predestinação e enfatizar o livre-arbítrio humano, foram condenadas pela igreja em quatro diferentes concílios: Mileve (461), Cartago (418), Éfeso (431), e Orange (529).

Serveto (1511-1553), médico e professor de Teologia, contemporâneo de Calvino; entendia o evangelho como algo bem claro e simples. Tão simples que se tornava impossível crer na Trindade Santa e na Predestinação. Foi expulso primeiro pela igreja romana e depois pela Igreja Reformada, onde foi condenado por heresia.

Armínio (1560-1609) teólogo, aluno de Teodoro Beza, que foi sucessor de Calvino; membro da igreja reformada holandesa, cria nas Escrituras e na Trindade, mas negava, dentre outras coisas, a seriedade da Queda, ao ensinar que o homem, pelo seu livre-arbítrio, pode obter a salvação pelo seu esforço pessoal. Foi expulso pela Igreja como herege.

Esses são apenas alguns exemplos históricos (alguns outros exemplos bíblicos e históricos nos serão oferecidos mais à frente). Todos eles, contudo, sem exceção, nos fornecem a seriedade com que a Bíblia e a Igreja tratavam a Verdade Doutrinária. Para a Igreja Apostólica, meio evangelho não era evangelho de forma alguma.

A atual atitude de condescendência e complacência por parte dos que se dizem cristãos e evangélicos, quanto à Doutrina Bíblica e aos negadores da mesma, apenas demonstra que, na verdade, os tais jamais foram alcançados pela Palavra de Deus, e que permanecem ignorantes acerca da Verdade.

CRISTIANISMO DE FOLHAS
Em Mt 21.18,19, Jesus revela uma atitude enérgica, dura (e para alguns precipitada, radical, e até desnecessária). Ao deparar-se com uma figueira cheia de folhas – do que se depreenderia haver frutos – Jesus nada encontrou, senão e somente folhas. Então, indignado, amaldiçoou a tal figueira.

Inicialmente, atentemos na indignação e no juízo anatematizador (amaldiçoador) de Jesus. Infelizmente, há aquele tipo de cristianismo que pressupõe Jesus como alguém incapaz de causar danos a uma mosca, alguém incapaz de jamais proferir uma palavra de ira, quanto mais uma maldição! Concebem um Jesus que veio a terra trazer paz e fraternidade entre os homens, o que é um tremendo engano: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34).

Concebem a Fé Cristã com um toque lúdico, infantil, inofensivo, ingênuo e pueril. Mas os tais estão plenamente equivocados, pois Jesus fala de outra perspectiva: “Cuidais vós que vim trazer paz à terra? Não, eu vos digo, mas antes dissensão: pois [por minha causa] daqui em diante estarão cinco pessoas numa casa divididas, três contra duas, e duas contra três; estarão divididos: pai contra filho, e filho contra pai; mãe contra filha, e filha contra mãe; sogra contra nora, e nora contra sogra” (Lc 12.52-53). Um tal evangelho de harmonia familiar tão valorizado e apregoado pela falsa igreja não parece ser o que Jesus tinha em mente!

Esse tal evangelho do amor onde cabem todos os grupos e todas as confissões de fé é um tremendo engano insinuado por Satanás, o pai da mentira e de todo engano. Esse evangelho do amor e esse Deus que abraça a todos, onde existe céu, mas não há inferno; há misericórdia, mas não ira; há bênção, mas não maldição; onde todos são eleitos, e nenhum réprobo; ou todos convidados, mas nenhum eleito; onde as intenções valem mais que a Doutrina; onde o subjetivismo do coração humano está acima da Verdade objetiva revelada na Palavra de Deus; onde não há heresia, pois não há verdade; nem heterodoxia, pois não há ortodoxia!

Tal evangelho – como podemos perceber claramente – é uma concepção engendrada no inferno. Não podemos pensar de Jesus como uma pluma inofensiva: “Disse-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta como pedra angular; pelo Senhor foi feito isso, e é maravilhoso aos nossos olhos? Portanto eu vos digo que vos será tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que dê os seus frutos. E quem cair sobre esta pedra será despedaçado; mas aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó” (Mt 21.42-44).

Jesus amaldiçoou a figueira. Um sinal claro da maldição de Deus sobre todos os falsos religiosos – inclusive e principalmente a falsa fé cristã. Sim. Porque esse é o significado da figueira. Toda religião de folhas – mesmo um cristianismo – apenas de folhas – está debaixo da maldição de Deus (Gl 1.8,9; 3.10; Hb 6.8; 2Pe 2.14).

Tal atitude de Jesus não foi um ato impetuoso de frustração, mas tinha o propósito de um ensinamento divino objetivo. Primeiramente, refere-se ao julgamento de Deus sobre Israel (no Antigo Testamento a figueira é empregada como símbolo da nação judaica, conf. Os 9.10; Jl 1.7). Portanto, temos a maldição e o juízo do Senhor sobre o Israel infrutífero (apesar dos benefícios espirituais que lhe foram concedidos).

Contudo, a figueira aplica-se não apenas ao Israel incrédulo, mas a todo o mundo incrédulo, visto que o juízo de Deus se estende a todas as partes do mundo. Israel está debaixo da maldição de Deus por sua incredulidade: “Ora, esta Agar é o monte Sinai na Arábia e corresponde à Jerusalém atual, pois é escrava com seus filhos” (Gl 4.25); mas também às nações gentias incrédulas: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36).

A FÉ NÃO-BÍBLICA ESTÁ SOB A IRA DE DEUS
Acerca do texto de Gl 4.25, a Bíblia de Genebra esclarece: “Quer nos dias de Paulo como em nossos, a maioria dos judeus permanece, como qualquer descrente, na escravidão ao pecado e sob a maldição que a aliança do Sinai pronuncia sobre tantos quantos desobedecem [às] suas exigências”.

O sentido, portanto é óbvio: todo aquele que (seja judeu ou gentio) apenas demonstra uma aparência religiosa, mas distante da verdadeira Palavra de Deus, permanece debaixo da maldição divina. Mero religiosismo não impressiona a Deus. Mero cristianismo, privado do Fundamento da Verdade, tem como recompensa juízo aumentado. Como afirmara Lutero, luz rejeitada torna-se trevas. Palavra de Deus desprezada gera juízo dobrado (Mt 10.14,15).

É isso o que ilustra a passagem da figueira. Ela gera o seu fruto em fevereiro, bem antes das folhas, que só aparecem em abril ou maio. Portanto, era razoável esperar encontrar frutos na figueira. A passagem ilustra que Jesus escolheu propositadamente aquela figueira para ilustrar sua ira e condenação contra uma mera aparência cristã. Uma fé de ostentação e aspecto externo apenas. Contra a hipocrisia e o engano de uma fé sem fundamento e sem essência. Ora, o fundamento da Fé Cristã é a Palavra de Deus.

O alerta já foi dado: todo pretenso cristianismo, ainda que aparentemente vivo e verdadeiro aos olhos humanos – mas sem a validação da Palavra de Deus – está sob o juízo e a condenação do Senhor. A idéia tola de que Deus é bom e jamais fará qualquer dano a alguém é uma idéia bastante amável e ingênua, agradável ao mundo tolo e incrédulo, mas inverídica e sem a confirmação do Senhor. Deus não aceita qualquer cristianismo. Desde o Novo Testamento (Ef 1.3), passando pelo protesto da Reforma, sabemos muito bem acerca disso. Cristianismo de folhas, isto é, sem o firme fundamento da Doutrina, já está sob maldição (Gl 1.8,9).

NÃO SE FAZ TEOLOGIA BÍBLICA APENAS COM BOAS INTENÇÕES
Também nos compete atentar para o fato importantíssimo de que a negação dos fariseus aqui nesse texto ora analisado do Evangelho de Mateus 15 trata de um assunto não fundamental para salvação, segundo o argumento de muitos teólogos e cristãos professos.

Muitos afirmam corajosa e abertamente que, negar uma doutrina fundamental (como a Trindade Santa, a Divindade de Jesus, a Inspiração da Bíblia, por exemplo) comprometeria a fé de uma pessoa ou grupo religioso. Concordamos, evidentemente.

Contudo, ainda segundo esses afirmadores, se alguém negar uma doutrina que não seja uma daquelas fundamentais, não haverá problemas maiores. Devemos ser caridosos e amáveis e humildes para evitar julgamentos contra nossos irmãos!

Percebemos que os tais desejam ser educados e bem-vistos como homens não-radicais e extremistas, mas humanos, coerentes e amorosos. Porém, o fato é que tais homens, talvez mesmo sem perceber, estão negando a Palavra de Cristo, ainda que com boas intenções. Mas como já foi dito: de boas intenções o inferno está cheio! Não se faz teologia verdadeira apenas com boas intenções. Mas com fidelidade e apego supremo à Palavra de Deus.

E é exatamente o que Jesus nos ensina aqui. A questão alvo de controvérsia entre Ele e os fariseus aqui em foco não era sua Divindade, nem a Trindade Santa; nem a Autoridade das Escrituras – isso os fariseus afirmavam categoricamente, e até muitos deles morreram sob o império greco-romano por causa de sua devoção e apego à Lei.

O ponto nevrálgico aqui era o 5º. Mandamento da Lei de Deus: “Pois Deus ordenou: Honra a teu pai e a tua mãe; e, Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser a seu pai ou a sua mãe: O que poderias aproveitar de mim é oferta ao Senhor; esse de modo algum terá de honrar a seu pai. E assim por causa da vossa tradição invalidastes a palavra de Deus” (Mt 15.4-6).

Tudo começou por uma crítica dos fariseus à atitude de Jesus e seus discípulos de não guardarem a tradição dos anciãos – o ritual de lavagem das mãos entes das refeições por motivos de purificação espiritual. Jesus, então, confronta-os com a Palavra de Deus, e os leva ao 5º. Mandamento.

Ao perverterem aquele único mandamento, negando-o e ensinando o povo a negá-lo também, é-lhes aplicada por Jesus a Palavra do Profeta Isaías, ao acusá-los de ignorância acerca da Palavra, e por isso mesmo, acerca do Deus da Palavra, taxando-os de hipócritas e falsos adoradores.

Por fim, Jesus abertamente revela o estado daqueles homens perante Deus. Ao crer e ensinar doutrinas contrárias à Palavra de Deus (lembre-se que aqui no caso a doutrina é o 5º. Mandamento), a adoração daqueles homens era vã, inútil, sem sentido – e sem aceitação por parte do Senhor.

Jesus deixa bem claro que culto sem teologia correta é vã adoração. Ritual litúrgico sem compromisso doutrinário é inútil. Prática religiosa sem a correta base escriturística é hipocrisia. Ensinar doutrinas contrárias à Palavra de Deus é demonstração explícita de não-salvação. Viver uma vida fora da cosmovisão bíblica é não ter parte com Deus, mesmo que tal pessoa seja um religioso bem tradicional, como eram os fariseus. “Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homem” (Mt 15.9).

O ARGUMENTO SATÂNICO DO AMOR ACIMA DA VERDADE
Agora, imaginemos alguém que se levante na Igreja e diga: “É verdade que aqueles homens quebraram este 5º. Mandamento. Mas isso não pode ser motivo para pensar acerca dos mesmos como estando fora do Reino de Deus. Não! Afinal de contas, é apenas um pequeno e menor dos mandamentos e da doutrina cristã. Ora, se fosse uma doutrina sobre a Inspiração da Escritura, ou sobre a Pessoa do Espírito Santo, ou ainda quanto ao Nascimento Virginal de Jesus ou mesmo acerca do Céu ou do Inferno, paciência. Mas não temos aqui uma doutrina fundamental da fé cristã, portanto, não podemos julgar a esses irmãos fariseus, negando-lhes a comunhão ou excluí-los da lista de uma igreja cristã autêntica e verdadeira”.

O que teríamos a dizer a essa pessoa? Que Jesus e o Novo Testamento não concordam com a mesma! Portanto, você também se faz cúmplice das más obras desses negadores da Palavra de Deus, ainda que seja um ponto tão pequeno e ínfimo na visão de alguns. Mas as Escrituras nos alertam dizendo que “qualquer que guardar toda a lei, mas tropeçar em um só ponto, tem-se tornado culpado de todos” (Tg 2.10).

A Lei de Deus é tão perfeita, que se quebrarmos um só ponto da mesma, quebramo-la tão plenamente como se a princípio já a tivéssemos quebrado por completo! Não há para onde fugir.

Os que pensam ser possível quebrar mínimos pontos da Palavra e ainda terem-se como cristãos, estão mais do que equivocados – verdadeiramente o coração está longe de Deus! “Este povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim”. (Mt 15.8).

Devemos, portanto, tomar cuidado com a idéia bastante caridosa e humilde de que seja possível negar uma só doutrina bíblica, qualquer que seja ela, e ainda assim permanecermos contados como Cristãos. Esse não é o ensino de Jesus, nem dos Evangelhos, nem do Novo Testamento.

A Atitude de exaltar o amor acima da Verdade tem sido a marca dos falsos profetas e a causa da ruína de muitos que começaram bem, mas preferiram o louvor e a simpatia dos homens, pelo temor do violento conflito e solidão a que a Palavra nos remete: “Contudo, muitos dentre as próprias autoridades creram nele; mas por causa dos fariseus não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga; porque amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus” (Jo 12. 42,43); “E o que foi semeado nos lugares pedregosos, este é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e sobrevindo a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza” (Mt 13.20,21).

Nosso exemplo vem de Jesus. Nossa doutrina é Apostólica. A ninguém mais reputamos como nosso Mestre. A ninguém mais ouvimos ou obedecemos no caráter de Apóstolo senão àqueles que nos legaram o Testemunho Apostólico registrado nas Sagradas Escrituras.

CRISTÃOS CONTRÁRIOS À BÍBLIA! CRISTÃOS?
Há grupos que se dizem cristãos e aceitam a apostolicidade de certos homens hoje. Homens inclusive que ensinam doutrinas totalmente adversas às Escrituras, começando pelo seu próprio falso apostolado.

Outras “igrejas” têm lá suas pastoras, negando explicitamente a Palavra de Deus revelada pelo Apóstolo Paulo (1 Co 14.34-38; 1Tm 2.9-15), que explicitamente ordena quanto às mulheres:”estejam caladas nas igrejas; não lhes é permitido falar; é indecoroso para a mulher o falar na igreja; não permito que ensinem; estejam, porém, em silêncio”.

Ainda muitos outros mantêm uma soteriologia adversa à Palavra de Deus, ensinando o suposto livre-arbítrio e, conseqüentemente, a salvação pela cooperação do homem com Deus, o que é totalmente contrário è doutrina Bíblica: “Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34); “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).

Mas o fato mais curioso é que muitos outros, mesmo admitindo o conflito entre o ensino de tais grupos e a Doutrina da Palavra de Deus, admitem calma e tranqüilamente que devemos considerar tais grupos como cristãos e, portanto, irmãos na fé. Do contrário, afirmam, seríamos exagerados, radicais e orgulhosos em pensar que somente nós estamos certos ou que somos os donos da verdade, pecando contra Deus por desprezar nossos queridos e amados colegas de fé e ministério.

O que respondemos aos tais? Para o inferno todos vós que desprezais a Cristo e a Verdade da Palavra de Deus por amor aos homens: “porque amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus” (Jo 12.43). Antes a guerra e a solidão com Cristo, do que a paz e a união com o diabo e seus asseclas. Buscar a paz com os negadores da Verdade, qualquer que seja o ponto dessa Verdade, é procurar guerra contra a própria Verdade: “Porque nada podemos contra a verdade, porém, a favor da verdade” (2Co 13.8); “Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?” (Tg 4.4); “Também se ocupam em curar superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz” (Jr 6.14).

Ao ser informado pelos discípulos de que Sua Doutrina produzira um tal escândalo entre os fariseus, Jesus nos revela algo fundamental: “Então os discípulos, aproximando-se dele, perguntaram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? Respondeu-lhes ele: Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Deixai-os; são guias cegos; ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão no barranco” (Mt 15.12-14).

Para Jesus, os que não aceitam a genuína doutrina da Palavra é porque não pertencem a Deus. Os verdadeiros filhos de Deus aceitam com alegria e prazer sua Doutrina. “Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem (...)” (Mt 10.26,27a).

O FERMENTO DOS FARISEUS
O Senhor não parece ter sido muito simpático aos fariseus e suas doutrinas negadoras da Palavra, mesmo que fosse quanto a questões de honrar pai e mãe ou lavagem cerimonial das mãos e purificação interior por causa de certos alimentos.

Vemos que eram questões mínimas para muitos de nós. Mas para Jesus, o suficiente. É claro que não por causa das mãos ou da água ou mesmo dos alimentos. Mas por causa da Palavra de Deus. O ensino dos fariseus invalidava (negava, confrontava) a Palavra de Deus. Jesus não poderia ser condescendente com tais pessoas. Poderíamos nós hoje ser diferentes? Atentemos bem para o exemplo do Mestre e sigamos-lhe as pegadas. Do contrário, não apenas outros, mas nós mesmos já estaríamos reprovados pela Palavra, ainda que tivéssemos total aprovação dos homens.

Decididamente, Jesus ordena que seus discípulos se guardem do fermento – doutrina e ensino antibíblico – dos fariseus: “Como não compreendeis que não vos falei a respeito de pães? Mas guardai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus. Então entenderam que não dissera que se guardassem do fermento dos pães, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus” (Mt 16.11,12). Os fariseus não eram estranhos à Lei de Deus e nem a desprezavam simplesmente. Na verdade, eles mantinham total devoção a sua religião e às tradições dos pais. Apenas mal compreendiam e, por isso, acabavam, mesmo sem ter tal intenção a princípio, negando a Palavra de Deus. O mesmo pode ser dito acerca de muitos grupos pretensamente cristãos, como os católicos romanos, denominações evangélicas, grupos evangelicalistas, e outros tantos grupos afins.

O problema é que no entendimento de nossa sociedade pós-moderna, subjetivista e intimista, a verdade não está em algo concreto e absoluto – a Palavra de Deus; mas no subjetivismo e nas experiências pessoais – o que gerou o pentecostalismo e o carismatismo dentro da Igreja.

Assim, afirmam os tais, é inconcebível julgar a doutrina de alguém, pois na verdade todos estão certos, ou pelo menos cada um possui uma parte da verdade. Cada um tem lá sua religião, sua doutrina evangélica (no caso dos muitos grupos que se dizem cristãos), e cada um respeite os outros, afinal ninguém é dono da verdade. Devemos respeitar a todos porque todos tiveram lá sua experiência com Deus. O Sagrado, dizem eles, está manifesto em todo tipo de fé. Não interessa a doutrina, o fato é que todos têm experimentado manifestações espirituais em sua própria fé.

Bem, Jesus não tinha tal cosmovisão acerca da Verdade, das doutrinas e das pessoas. Antes, ele nos adverte acerca do fermento dos fariseus. Assim, estejamos advertidos acerca do fermento do evangelicalismo dos muitos grupos que se apresentam como cristãos e evangélicos, mas cuja doutrina é contrária à Palavra de Deus.

Como já vimos nas parábolas de Mateus 13, todos esses nada mais são do que terrenos pedregosos e cheios de espinhos que também recebem a semeadura da Palavra; joio cultivado pelo Maligno na seara do Senhor; aves dos céus que se aninham sob a sombra do reino de Deus; fermento que leveda e permeia toda a massa; peixes ruins apanhados na rede do evangelho, e que por fim serão lançados fora.

FALSA DOUTRINA REVELA NÃO-SALVAÇÃO
Para Jesus, o caráter espiritual de alguém está revelado na doutrina que tal pessoa sustenta: “Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, há de saber se a doutrina é dele [Deus], ou se eu falo por mim mesmo” (Jo 7.17).

A Doutrina verdadeiramente bíblica será o divisor de águas e o diferenciador entre os verdadeiros amantes de Deus e os falsos religiosos que aparentam fé cristã: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15); “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele” (Jo 14.21).

O verdadeiro amante de Deus será atraído pela genuína doutrina da Palavra: “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6.37); “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem” (Jo 10.27). Mas o falso cristianismo e a falsa religião estarão bem e tranqüilos, mesmo ausentes da verdadeira doutrina.

Contudo, precisamos ainda esclarecer um ponto: quando dizemos que a Doutrina verdadeiramente bíblica será o divisor de águas e o diferenciador entre os verdadeiros amantes de Deus e os falsos religiosos, não esquecemos de maneira alguma que “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” (Mt 7.21).

Portanto, queremos deixar bem claro o que afirmamos: é possível alguém defender apenas intelectualmente a doutrina verdadeira, sem ter nascido de novo. Mas é impossível alguém ter nascido de novo e, confrontado com a Palavra, posicionar-se contrário à mesma (conf. Jo 16.13; 1Co 2.6-14; 2Co 3.14; 4.4; Ef 4.18; Cl 1.9; 2.2; 1Tm 6.5; 2Tm 2.7; 3.8; Hb 8.10,16; 1Jo 4.4-6; 5.20; 2Jo 9-11).

Evidentemente, existem aqueles que atestam a Doutrina sem nunca terem sido salvos, permanecendo algum tempo no meio dos eleitos – Judas Iscariotes é o grande patrono dos tais. Mas não há para o Novo Testamento a possibilidade de alguém ser salvo e ainda contrário à Doutrina.

Em segundo lugar, é também possível a alguém ter a Doutrina certa, mas, durante algum tempo, viver a vida errada (como Davi, que era um homem segundo o coração de Deus e amante de Sua Palavra, e adulterou e cometeu assassinato). Os verdadeiros filhos de Deus ainda estão sujeitos ao pecado nesta vida (1Jo 1.8,10).

Assim, é possível alguém ter a doutrina certa e viver a vida errada em certo momento. Contudo, é impossível alguém ter a doutrina errada e viver a vida certa. Essa possibilidade não existe no Novo Testamento em relação ao Evangelho de Jesus Cristo.

Assim, repetimos: é possível a um salvo ter a doutrina certa e viver a vida errada em certo momento; mas impossível alguém ter a doutrina errada (o que já revela seu estado espiritual) e ainda viver a vida certa perante Deus: “Respondeu-lhes Jesus: Porventura não errais vós em razão de não compreenderdes as Escrituras nem o poder de Deus?” (Mc 12.24; Mt 22.29). “Este povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim. Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homem” (Mt 15.9). “Raça de víboras! como podeis vós falar coisas boas, sendo maus? pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca” (Mt 12.34).

Para Jesus e o Novo Testamento, doutrina falsa é sinônimo de erro e ignorância acerca da Escritura e do Deus da Escritura, o que gera vã adoração e revela coração longe de Deus. Se alguém tiver qualquer dúvida sobre isso, que duvide também de Jesus e do Novo Testamento, que deixe a Bíblia de lado, ou então comece a levá-la a sério, pois se trata da Palavra inspirada, infalível e inerrante revelada pelo próprio Deus, contendo um único sentido, como esclarece a Confissão de Fé Batista de 1689, semelhante à de Westminster: “A regra infalível de interpretação das Escrituras é a própria Escritura. Portanto, sempre que houver dúvida quanto ao verdadeiro e pleno sentido de qualquer passagem (sentido este que não é múltiplo, mas um único), essa passagem deve ser examinada em confrontação com outras passagens, que falem mais claramente. O juiz supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas devem ser resolvidas e todos os decretos de concílios, todas as opiniões de escritores antigos e doutrinas de homens devem ser examinadas, e os espíritos provados, não pode ser outro senão a Sagrada Escritura entregue pelo Espírito Santo. Nossa fé recorrerá à Escritura para a decisão final” . (CFB 1689, Cap. I, arts. 9 e 10).

Uma das grandes tragédias da igreja moderna é o seu caráter teológico múltiplo e pluralista, ao contrário de Jesus e do Novo Testamento. Que bela evolução para o cristianismo de nossos dias! A verdadeira prostituta assentada sobre a besta! Isto é: a falsa religião sustentada pelo Anticristo – todo cristianismo fora da Bíblia, começando por Roma e amplamente disseminado na igreja evangelicalista arminiana-carismática-pentecostal-estatal.

II
O Avanço da Luta Doutrinária em Jerusalém
E sereis minhas testemunhas em Jerusalém... (At 1.8)

A DOUTRINA DOS APÓSTOLOS
Quando avançamos para o Livro dos Atos dos Apóstolos somos confrontados com um posicionamento da Igreja primitiva que nos faz lembrar em tudo ao próprio Jesus. Um apego à Doutrina da Palavra. A primeira coisa que se manifestou na vida da igreja e dos novos convertidos no Pentecostes foi esta: “e perseveravam na doutrina dos apóstolos” (2.42a). Uma atitude inegociável de fidelidade à Palavra, em detrimento dos laços humanos: “Mas Pedro e João, respondendo, lhes disseram: Julgai vós se é justo diante de Deus ouvir-nos antes a vós do que a Deus” (4.19).

Os apóstolos – cuja vocação e direção por parte do Espírito Santo de Jesus era edificar a Igreja na Doutrina da Verdade – não titubearam em sustentar o exemplo de seu Mestre na fidelidade e apego à Verdade e Unicidade Escriturística.

Tendo o papel de Doutrinadores da Igreja, os Apóstolos utilizaram-se da Autoridade Escriturística e Apostólica a fim de lutar contra todas as frentes que se levantaram para multiplicar as vozes e linhas teológicas na Igreja, seja quanto a práticas legalistas, seja quanto a ensinos contrários à Doutrina: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema. Como antes temos dito, assim agora novamente o digo: Se alguém vos pregar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema” (Gl 1.8).

Para o Corpo Apostólico, e mesmo para a Igreja, não poderia haver vozes destoantes no Corpo de Cristo, uma vez que o Padrão Doutrinário já lhes fora dado pelo próprio Senhor. Portanto, tendo recebido o Fundamento com toda a diretriz (Cristo e a Palavra Inspirada e Revelada), cabia-lhes guiar o rebanho dentro daqueles moldes, sob aqueles princípios, sem negociar coisa alguma, ainda que com pessoas ou mesmo grupos que se consideravam parte do corpo.

Daí que, na vivência diária da Igreja primitiva, o padrão comportamental e doutrinário não era procurar novidades ou buscar novos modelos, mas direta e tão somente perseverar na doutrina dos apóstolos (At 2.42); e, como Paulo escreveu a Timóteo, “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido” (2Tm 3.14).

A palavra doutrina aparece quatro vezes nos Atos dos Apóstolos (39 no NT), e o verbo ensinar, também quatro (no NT 26). Contudo, essas poucas vezes que aparecem no livro dos Atos têm significado profundo e direto, digno de toda nossa atenção.

Primeiro, no capítulo 2.42, como já lemos anteriormente. Aqui está a prática diária de discipulado e doutrinamento que era a ênfase dos apóstolos àqueles a quem o Senhor lhes dera (2.47b: E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos). A rotina de Jerusalém era esta: perseverar na doutrina dos Apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações.

Lembremos que a Bíblia de nossos primeiros pais na fé era apenas o Antigo Testamento. O Novo ainda estava em processo, através dos próprios apóstolos. Assim, a correta hermenêutica (interpretação) e aplicação da Escritura Veterotestamentária era aquela revelada por Jesus (registrada nos evangelhos posteriormente escritos) e transmitida oralmente pelos apóstolos aos seus convertidos.

Rejeitar aos Apóstolos era rejeitar ao próprio Jesus: “E, se ninguém vos receber, nem ouvir as vossas palavras, saindo daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade (...) Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou” (Mt 10.14,15,40).

A Verdade revelada por Jesus estava sendo transmitida oralmente (e preservada nos escritos neotestamentários) pelos Apóstolos. O ensino apostólico era o ensino da Verdade de Deus. Assim, a tarefa de toda cristão era perseverar na Doutrina dos Apóstolos (At 2.42).

A Doutrina estava sedimentada e garantida. Não poderia haver acréscimo ou mudança de voz. Não poderia haver outro Colégio Apostólico. Qualquer pessoa ou grupo que se recusasse a manter o padrão Apostólico era considerado herege e debaixo do juízo de Deus, estando fora do Corpo de Cristo.

Esse era o padrão internamente, isto é, para todos os convertidos e professantes da Fé. Qualquer outro padrão ou sistema doutrinário (de ensino) estaria contra Jerusalém e seria tido como falso.

Externamente, isto é, no trato com os ainda não-cristãos, a tarefa não era muito diferente. Se para os já convertidos a regra era perseverar na doutrina dos apóstolos, para os ainda ignorantes e incrédulos, a regra era confrontá-los com a mesma doutrina (veja, por exemplo, os sermões pregados pelos apóstolos em Atos 2.14-40; 3.11-26; 4.8-20; 7.2-60; 10.34-48; 13.13-52; 14.14-23; 15.1-35; 17.1-34; 18.1-11, 24-28; 20.17-38; 22. 1-22; 23.1-11; 24.10-25; 26.1-28; 28.16-31).

EVANGELIZAR É DOUTRINAR. E VICE-VERSA
Para os apóstolos (seguindo o próprio exemplo de Jesus), evangelizar é o mesmo que doutrinar, isto é, ensinar o corpo doutrinário, a cosmovisão cristã – confrontar a falsa cosmovisão dos ignorantes (os que desconhecem a Verdade da Palavra por nunca terem ouvido) e os incrédulos (os que negam a Verdade da Palavra por apresentar variantes doutrinárias autoritarivas).

Havia duas frentes de batalha para a Igreja em Jerusalém, mas a estratégia era a mesma dentro e fora. Se dentro dos muros eclesiásticos a batalha era para fazê-los perseverar (isto é, insistir no padrão entregue pelos Apóstolos, manter a mesma linha, sem se desviar nem para a direita nem para a esquerda; não permitir vozes destoantes ou mesmo ambíguas no seio da Igreja), fora desses muros a batalha travava-se em proclamar, evangelizar (ensinar a doutrina), confrontar as cosmovisões (ensinos) destoantes da Palavra de Jesus, pela proclamação da Verdadeira Doutrina.

Para os Apóstolos, evangelizar era doutrinar, proclamar a doutrina aos ouvidos de todos os que lhes estivessem à disposição: “e eis que enchestes Jerusalém dessa vossa doutrina” (At 5.28). Essa foi a grave acusação que os Apóstolos tiveram de sofrer por parte de seus oponentes judaicos.

Ora, os Apóstolos estavam apenas cumprindo o mandado de seu Mestre: “Ide por todos o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15); e ainda: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações (...), ensinando-as a guardar todas as coisas que vos tenho dito” (Mt 28.19,20).

Para os Apóstolos, evangelizar e discipular eram o mesmo que doutrinar, por isso eles encheram Jerusalém com sua Doutrina, doutrina essa que conflitava com a falsa doutrina dos fariseus: “e eis que enchestes Jerusalém dessa vossa doutrina” (At 5.28).

Existem hoje aqueles que presumem evangelizar sem discutir doutrinas. Há outros ainda que, mesmo sem poder negar a Doutrina, enfatizam que ela não é necessária à obra evangelizadora. Para ambos os grupos, é possível evangelizar sem doutrinar. Evangelismo seria uma coisa, doutrina, outra. É razoável que perguntemos: será que tais indivíduos participam da mesma tarefa e Espírito que os Apóstolos?

Quando um Apóstolo chegava a uma cidade onde o nome de Jesus jamais fora anunciado, sua tarefa era óbvia: anunciá-lo! O que chamamos de evangelização. Mas para eles, os Apóstolos, o que era e como se dava tal obra evangelística? Os ouvintes de Paulo podem nos responder: “E, tomando-o [a Paulo], o levaram ao Areópago, dizendo: Poderemos nós saber que nova doutrina é essa de que falas?” (At 17.19). Aí está a única resposta bíblica para as perguntas: o que é evangelizar? Como evangelizar? Está claro: evangelizar é pregar a Doutrina.

Toda e qualquer obra tida por evangelizadora, mas que nega a Doutrina ou dela se esquiva, é uma falsa evangelização, é na verdade uma desevangelização. E, infelizmente, é o que o falso evangelho apresenta e espalha pelo mundo, ainda que se tenha a si mesmo por obra evangelizadora.

LOBOTOMIA TEOLÓGICA
Na verdade é impossível pregar qualquer coisa ou qualquer religião sem um devido sistema doutrinário. Para tudo o que se afirme, há uma fonte e um fundamento. Quando alguns chegam a pensar em evangelismo sem doutrinamento, revelam uma lobotomia teológica.

Ao evangelizar – seja lá o que alguém pretenda com tal vocábulo – você está ensinando. Evangelizar é Ensinar. Ensinar é Doutrinar. Logo, Evangelizar é Doutrinar. Qualquer criança educada na igreja poderá nos dizer que evangelizar é ensinar o evangelho, e que o evangelho consiste em na doutrina de Cristo, e que a doutrina de Cristo está revelada em toda a Bíblia. Portanto evangelizar é ensinar toda a Palavra de Deus, como podemos ver no exemplo de Paulo: “Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At 20.27).

Contrariamente a Paulo, os pregadores do falso evangelho inventaram outros métodos de evangelismo totalmente desprovidos da autoridade bíblica, ao ensinar partes do evangelho, negando, explicitamente, outras partes, o que constitui uma verdadeira aberração bíblico-teológica.

Um exemplo bem simples é o falso evangelho arminiano, com seus programas evangelísticos desprovidos das doutrinas santas das Escrituras, as quais eles próprios tanto aborrecem e negam. Podemos lembrar das famosas Quatro Leis Espirituais, que universalizam certos aspectos particulares do evangelho. Alegam que a intenção é salvar almas. Mas ignoram que não há salvação de almas em um evangelho corrupto em sua doutrina e equivocado em sua teologia.

A questão é que os negadores da Doutrina, para se esquivar e sofismar quanto à Verdade da Doutrina que eles próprios estão negando, refugiam-se na falácia de que não estão preocupados com doutrina, mas com o evangelismo! Isso é uma das mais absurdas justificativas que os falsos crentes e os falsos sistemas utilizam para se camuflar e se esconder, a fim de não sofrerem a confrontação da Doutrina. Contudo, não há Palavra de Deus sem Doutrina. E não deve haver Doutrina sem a Palavra de Deus, pois isso seria um desvio da Palavra de Deus.

Com essa preocupação em mente, e imbuídos da liderança na Igreja para tal tarefa, é que os Apóstolos assumiram a frente de batalha em Jerusalém para lutar em ambos os lados: a) manter a Igreja na perseverança doutrinária; b) anunciar e confrontar os de fora com a mesma doutrina.

Para a Igreja em Jerusalém não havia distinção entre sua tarefa doutrinária / discipulatória (interna) e evangelística / missionária (externa), uma vez que evangelizar é doutrinar, e doutrinar é evangelizar.

Com esse exemplo dado por Jesus e mantido pelos Apóstolos, a Igreja de Jerusalém irá mantê-lo por toda a sua caminhada, o que nos será revelado no seguinte episódio, narrado nos Atos dos Apóstolos, no capítulo 15.
PRIMEIRA GRANDE GUERRA APOSTÓLICA
Ainda muito cedo, surgiram ensinos destoantes no seio da Igreja – o que Jesus já alertara aos seus discípulos e Apóstolos: “Porque hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão sinais e prodígios para enganar, se possível, até os escolhidos” (Mc 13.22). Pois muito bem, lá mesmo na primeira comunidade isso começou a tornar-se real. A batalha teria mais um episódio. Na verdade, um grande episódio.

Como a fé cristã foi disseminada a princípio no seio da comunidade judaica, não é de assustar que desde logo muitos houve que, mal compreendendo a Doutrina Cristã, ainda que participando eles próprios da comunhão da Igreja visível, começaram a ensinar dentro da própria Igreja um evangelho de caráter não apenas duvidoso, mas em verdade contrário ao verdadeiro Evangelho.

E o detalhe é que esses mesmos pressupunham uma atitude evangelizadora, pois sua falsa doutrina atingia em cheio não os membros primários da Igreja (constituída de judeus), mas os futuros adeptos que viessem a receber o batismo, vindos dos centros gentílicos, e não pertencentes à casta genética de Israel.

Só um rápido detalhe: ardor evangelístico-missionário não está acima da Doutrina, nem justifica sua falta. É o próprio Jesus quem nos ensina isso: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós” (Mt 23.15).

Esse grupo determinado e beligerante em seu ardor missionário exigia a circuncisão dos gentios, a fim de considerá-los cristãos autênticos, isto é, ensinavam que sem a guarda cerimonial da Lei de Moisés, os gentios não poderiam ser salvos em Cristo (At 15.1). Esse grupo ficou conhecido na teologia por Judaizantes.

Sob a ótica de muitos, essa visão judaizante era algo normal, correto e válido. Para outros, a questão mais importante era não promover qualquer divisão no seio da Igreja – ou seja, a unidade acima da Verdade. Mas não era essa a opinião dos Apóstolos e da Igreja. Pelo contrário, os defensores da Verdade tiveram que adentrar a arena e confrontar aqueles “irmãos” judaizantes – que mais à frente são declarados como falsos irmãos e intrusos da obra de Deus na Igreja, por causa de sua doutrina conflitante à Doutrina Evangélica: “e isto por causa dos falsos irmãos intrusos, os quais furtivamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos escravizar; aos quais nem ainda por uma hora cedemos em sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós” (Gl 2.4,5). Veja que para os Apóstolos o que estava em jogo era a Verdade do Evangelho.

A questão era, a princípio, muito tênue e até insignificante. Poder-se-ia entender o posicionamento legalista dos Judaizantes como zelo pela tradição dos pais, preocupação com uma santidade manifesta no comportamento ético exterior dos novos convertidos, ênfase no Antigo Testamento, etc. Contudo, para os Apóstolos e para a Igreja, guiados pelo Espírito a toda a Verdade (Jo 16.13), havia perigo mortal naquilo que alguns irmãos e líderes de Jerusalém estavam ensinando e começando a publicar.

Paulo (o Apóstolo aos gentios) e Barnabé (seu companheiro de ministério) foram os primeiros a disparar seus canhões contra os Judaizantes (que eram membros da Igreja, sendo alguns deles até mesmo líderes na Comunidade): “Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes, segundo o rito de Moisés, não podeis ser salvos. Tendo Paulo e Barnabé contenda e não pequena discussão com eles, os irmãos resolveram que Paulo e Barnabé e mais alguns dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e aos anciãos, por causa desta questão” (At 15.1,2).

Depois do capítulo liderado nos Evangelhos pelo próprio Mestre e Senhor da Igreja, Jesus Cristo, agora é a vez de seus Apóstolos empunharem a Espada do Espírito – a Palavra de Deus (Ef 6.17), e travarem a guerra – com um terrível adendo: a batalha seria entre eles mesmos.

O inimigo estava ali, no seio da Igreja! Mas quem era ele? Quem representava a ortodoxia (Doutrina correta, isto é, de acordo com a Verdade da Palavra de Deus)? E quem levantava a bandeira da heterodoxia (doutrina divergente, negadora da Palavra de Deus e, por isso mesmo, herética)?

O palco estava armado. Ambos os lados frente a frente. As espadas desembainhadas. Graças a Deus por isso.

O MAIOR PECADO DA IGREJA: PAZ EM TEMPO DE GUERRA
O maior erro da Igreja é temer desembainhar sua espada teológica (a Palavra de Deus) e travar a guerra pela verdade.

Esse foi sempre o maior erro da igreja, pois ela foi designada por Deus como a fortaleza da verdade (1Tm 3.15). Não existe outra derrota para a Igreja, senão o recusar-se a exercer o papel que o próprio Deus lhe concedeu: defender a Verdade do Evangelho.

Procurar a paz a qualquer custo é juntar-se aos falsos profetas que, em tempos de guerra pela verdade, sempre surgiram apregoando paz, paz, quando não há paz (Jr 6.14; 8.11; Ez 13.10,16).

Isso nos faz lembrar o pecado de Davi, o grande Rei-Guerreiro de Israel: “Tendo decorrido um ano, no tempo em que os reis saem à guerra, Davi enviou Joabe, e com ele os seus servos e todo o Israel; e eles destruíram os amonitas, e sitiaram a Rabá. Porém Davi ficou em Jerusalém”. O Pecado de adultério e assassinato de Davi começou pelo simples fato de omitir-se à guerra.

O mesmo nos é ensinado através de um episódio na vida de Josué, o General do povo de Deus: “Então os homens de Israel tomaram da provisão deles, e não pediram conselho ao Senhor. Assim Josué fez paz com eles; também fez um pacto com eles, prometendo poupar-lhes a vida; e os príncipes da congregação lhes prestaram juramento.” (Js 9.14,15).

Fazer alianças de paz com os inimigos da Verdade do Evangelho (a autêntica doutrina bíblica) é tornar-se aliado dos inimigos de Deus e desprezar a Verdade de Sua Palavra. Não podemos, à semelhança de Josué, iludir-nos com a aparência envelhecida e bolorenta dos inimigos, aparentemente inofensivos, e conceder-lhes alianças de paz, desprezando o conselho do Senhor.

A Igreja foi escolhida por Jesus e separada do mundo para ser o povo de Deus, que anuncie as virtudes daquele que nos chamou (1Pe 2.9), sustentando sua Verdade, até em face da morte e das maiores oposições dentro ou fora da Igreja – esse foi o exemplo de Jesus nos evangelhos – e também a posição dos Apóstolos.

AVES DOS CÉUS SOB A SOMBRA DE JERUSALÉM
A questão dos judaizantes fervia agora em Jerusalém. Lembremos que os Judaizantes eram cristãos professos, defensores da obrigatoriedade das observâncias cerimoniais judaicas (como a circuncisão, a guarda do sábado e abstinência de alimentos, dentre outras coisas) para os cristãos gentios.

Contudo, o evangelho não poderia ser retido na camisa de força do legalismo judaico. Assim, vemos Deus operando ainda cedo na disposição dos próprios apóstolos a fim de levar a Palavra aos gentios.

Em Atos 10 vemos Cornélio entrando em cena. O próprio Senhor Jesus fala com Pedro em visão, preparando-o para um avanço inesperado no cumprimento da grande comissão, que começava por Jerusalém, mas alcançava os confins da terra (At 1.8).

Ao tomar conhecimento da visita de Pedro a um gentio (era proibido a um judeu entrar em casa de um gentio, v.28a), alguns da igreja em Jerusalém sentiram-se desconfortáveis e uma disputa que já estava em andamento tomou forma ainda mais agressiva.

A notícia da visita de Pedro a um gentio suscitou uma contenda em Jerusalém. Os judaizantes se levantaram escandalizados e exigiram explicações. Pedro foi instado a apresentar-se e justificar sua atitude escandalosa.

Por duas vezes no livro dos Atos vemos não pequena discussão e acalorado debate entre os judaizantes e os apóstolos. Também na epístola aos Gálatas somos informados de uma outra discussão entre os próprios apóstolos, no caso Paulo e Pedro, tendo Barnabé como coadjuvante.

O fato é que a igreja levava muito a sério a doutrina e o seu correto entendimento. Não era aceitável que doutrinas divergentes coexistissem em harmonia no seio do colégio apostólico ou na assembléia cristã. Vejamos cada caso.

O primeiro encontra-se em Atos 11.1-3: “Ora, ouviram os apóstolos e os irmãos que estavam na Judéia que também os gentios haviam recebido a palavra de Deus. E quando Pedro subiu a Jerusalém, disputavam com ele os que eram da circuncisão, dizendo: Entraste em casa de homens incircuncisos e comeste com eles”. Aqui vemos que os judaizantes criticaram a Pedro (v.2). A oposição judaizante cresceu contra Pedro e os que com ele estiveram em casa de Cornélio. Após as devidas explicações – o próprio Senhor os havia conduzido até lá – houve um apaziguamento (v.18).

Esse é o primeiro indício de que havia pessoas cujo entendimento do evangelho estava equivocado, o que veio mais tarde a se manifestar em uma doutrina discrepante em Jerusalém. Claro que estava ainda em estágio embrionário, quase imperceptível. Porém, mais adiante, o que parecia zelo religioso revelar-se-á em doutrina perniciosa concorrendo contra a Verdade do Evangelho.

O segundo caso está em Atos 15 vemos o crescimento e eclosão da semente do capítulo 11. Os judaizantes não apenas ganharam corpo em Jerusalém, mas agora infestavam grande parte dos primitivos campos missionários, ameaçando o próprio evangelho entre os gentios, anulando e perturbando a doutrina santa que fora semeada anteriormente.

O texto inicial é explícito: “Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes, segundo o rito de Moisés, não podeis ser salvos. Tendo Paulo e Barnabé contenda e não pequena discussão com eles, os irmãos resolveram que Paulo e Barnabé e mais alguns dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e aos anciãos, por causa desta questão” (v.1,2).

F.F. Bruce nos informa: As igrejas fundadas [organizadas] por Paulo e Barnabé durante esta viagem são as da Galácia, às quais o apóstolo dirigiu a carta que se conhece. Não muito depois de ter deixado aquelas igrejas, surgiu uma crise no meio delas, provocada pela atividade dos judaizantes, que instavam sobre a necessidade de serem acrescentadas a circuncisão e a observância da lei cerimonial à fé em Cristo. Chegando a notícia desse fato aos ouvidos de Paulo em Antioquia, este escreveu-lhes uma carta urgente (...). A Epístola, escrita num estado de excitação, revela sua amorosa ansiedade e temor de que esses filhos recém-nascidos sejam seduzidos, e deixem a simplicidade de Cristo, bem como revela sua indignação contra aqueles que os perturbavam”.

O texto de Bruce continua: “A mesma questão tornou-se de real importância em Antioquia também, por essa época. A missão gentílica, sediada em Antioquia, ia resultar predominantemente no estabelecimento de igrejas de igual modo gentílicas; e o partido judaico mais extremado de Jerusalém via que, se tinha de agir, então era preciso agir logo. E assim organizaram uma campanha, levada a efeito não só nas novas igrejas da província da Galácia, como também na própria Antioquia, cidadela do cristianismo gentílico, urgindo completa adoção da lei judaica por todos os cristãos, como condição indispensável de salvação e de comunhão com os seus irmãos judeus”.

O que vemos acontecer em Antioquia, descrito por Paulo no capítulo 2 de Gálatas, indigna-nos. Os judaizantes agiram com tamanha pressão que até mesmo Pedro, presente em Antioquia por esse tempo, e conhecedor das implicações das teses daquele movimento, foi seduzido pela sua dissimulação.E até Barnabé, companheiro de viagens de Paulo, foi envolvido nesse drama. Paulo precisou se opor ferozmente não apenas contra os judaizantes, mas aberta e firmemente contra os próprios Pedro e Barnabé. Sua atitude corajosa resultou em grande vitória para a igreja e a santa doutrina. De volta a Jerusalém, quando do concílio eclesiástico, “Pedro apoiou intransigentemente a argumentação de Paulo”.

“A despeito dos argumentos do partido farisaico da igreja, o peso da influência de Pedro, apoiada por Barnabé e Paulo, que narraram as bênçãos de Deus sobre a missão gentílica, e por fim o resumo judicioso de Tiago”, foram determinantes para o reconhecimento e o apoio de Jerusalém a Paulo e Barnabé, negando autoridade aos judaizantes e desqualificando seus princípios doutrinários.

Era necessário esclarecer a questão. Não era suportável para os irmãos – e muito menos para Paulo – que houvesse doutrinas divergentes no seio da igreja. Era necessário buscar a autoridade primeira da igreja: a doutrina apostólica.

Este é um princípio salutar da verdadeira igreja: fundamentada na doutrina apostólica. É isso o que lemos em Atos 2.42: “e perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Esse é o exemplo que temos da igreja primitiva para todas as igrejas de todas as épocas.

O que significa voltar à doutrina dos apóstolos hoje, uma vez que não mais se encontram entre nós? Significa voltar às Escrituras, especialmente o Novo Testamento, pois elas são o registro gráfico da doutrina ensinada primeiramente por Jesus e depois pelos seus apóstolos. Perseverar na doutrina dos apóstolos é perseverar na Palavra de Deus entregue à igreja. Ouvir a Escritura é ouvir Jesus e os Apóstolos. Fugir da Escritura é negar a Jesus e aos Apóstolos. Voltaremos a esse segundo caso logo à frente, quando analisarmos a decisão da igreja em Jerusalém, liderada pelos apóstolos e presbíteros.

O terceiro caso vemos em Gálatas 2.11-16: “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe na cara, porque era repreensível. Pois antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios; mas quando eles chegaram, se foi retirando e se apartava deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimularam com ele, de modo que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam retamente conforme a verdade do evangelho, disse a Cefas perante todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, como é que obrigas os gentios a viverem como judeus?

Nós, judeus por natureza e não pecadores dentre os gentios, sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, mas sim, pela fé em Cristo Jesus, temos também crido em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não por obras da lei; pois por obras da lei nenhuma carne será justificada”.

Paulo, em favor da verdade do evangelho, resistiu a Pedro na cara. E precisou enfrentar não apenas Pedro e os judaizantes, mas até o próprio Barnabé, companheiro de obra, amigo pessoal e, de certa forma, mentor do apóstolo aos gentios nos seus primeiros passos na tarefa missionária.

A questão era muito séria e não podia mais esperar. Paulo sentia o perigo que a doutrina judaizante significava: não um outro evangelho válido; não uma outra forma igualmente aceitável; nem uma verdade paralela. A doutrina judaizante descaracterizava o evangelho e anulava a verdade da Palavra de Deus (conf. Gl 2.5).

DUAS TEOLOGIAS EM JERUSALÉM?
Tudo fica ainda mais claro quando voltamos a Atos 15 e podemos perceber a verdadeira posição dos apóstolos quanto aos judaizantes. Vemos que a posição judaizante era tão perversa, tão forte e tão sedutora, que mesmo Pedro e Barnabé chegaram a sofrer seus sutis efeitos dissimuladores (Gl 2.13). E isso poderia dar a falsa impressão de que Jerusalém apoiava aos judaizantes ou que aceitava doutrinas divergentes concorrendo entre os seus membros, sob a supervisão dos próprios apóstolos.

Tal teoria tem sido sustentada por teólogos liberais que se apressam a contrapor Tiago e Paulo acerca de uma possível (e totalmente improvável) antítese entre ambos, quanto à justificação pela fé em Paulo, e pelas obras, em Tiago. Creio não ser preciso gastar mais tempo na refutação de tais falsas teologias, uma vez que muitos já o fizeram plenamente. Veja, por exemplo, a obra Romanos, da série Comentário Bíblico Fiel, de John Murray, Editora Fiel.

Contudo, o texto de Atos 15 é plenamente satisfatório para esclarecimentos sobre a referida questão. Houve debate e contenda entre Paulo e seus companheiros contra os tais judaizantes. Foi decidido que a questão fosse levada a Jerusalém, aos demais apóstolos e presbíteros. Lá chegando, houve a reunião de toda a assembléia, liderada pelos apóstolos e presbíteros.

Agora, podemos perceber os detalhes elucidativos ligados à questão. Primeiro, que os judaizantes jamais tiveram apoio e reconhecimento, seja da assembléia, seja dos apóstolos. O texto nos informa que esses alguns indivíduos provenientes da Judéia (v.1), não possuíam qualquer autorização e reconhecimento de Jerusalém (v. 24a), mas apenas perturbavam e transtornavam as igrejas e a fé em outras regiões (v.24b). E é digno de observação que um dos que mais se opuseram aos tais judaizantes e seu desvio doutrinário foi Tiago! (v.12-21).

E, por fim, toda a assembléia concluiu decisivamente contra os judaizantes (v.22-27), refutando-lhes seu falso ensino e negando-lhes autoridade para ensinar às igrejas (v.24), mas, contrariamente, confirmando e reconhecendo o evangelho pregado por Paulo e seus companheiros como o padrão irrefutável e não-negociável da verdade do Evangelho (v.25,26).

A igreja de Jerusalém, bem como sua liderança, encabeçada pelos apóstolos e presbíteros, julgaram a delicada questão entre a doutrina pregada por Paulo e Jerusalém, e os judaizantes que se infiltraram no seio da igreja (Gl 2.4). Não era possível, portanto, tolerar doutrinas divergentes e antitéticas. Por que a comunidade cristã de hoje pensa diferente, ao permitir, tolerar e até incentivar pensamentos teológicos divergentes em seu seio? Perdemos o padrão da Verdade? Não cremos na Palavra de Deus?

O SILÊNCIO APÓSTATA DA IGREJA
Que os incrédulos se chafurdem em contradições e antíteses, e ainda se justifiquem pela sua falsa concepção cosmológica da relativização e dos paradoxos irrefugáveis. Mas para aqueles que crêem na Verdade (Jo 17.17), no padrão supra-autoritativo da revelação de Deus dado à igreja através da Escritura, tal atitude é inconcebível e herética. Foi o que Elias compreendeu já em sua geração apóstata: “E Elias se chegou a todo o povo, e disse: Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal, segui-o. O povo, porém, não lhe respondeu nada” (1Rs 18.21).

Era simplesmente uma questão de coerência. Não há dois deuses. E Deus não é Deus de confusão. Então decidam entre Baal e Jeová! A maior incoerência é querer servir a Baal e ao Senhor ao mesmo tempo.

Porém, o silêncio do povo apenas refletia sua atitude, mediana, paradoxal e antitética. Para Elias o mais insuportável não era o falso discurso dos profetas de Baal, que contrariava a Palavra do Senhor; mas o silêncio e a omissão apóstata de Israel, em suportar e querer sustentar ambas as escolas teológicas: a baaliana e a Javista.

Da mesma maneira, os crentes de hoje posicionam-se pela aceitação das mais variadas escolas teológicas, mesmo cheias de contradições e oposições à doutrina santa da Palavra de Deus. Os israelitas diziam: baalismo e javismo, sem problemas. Hoje, muitos dizem: predestinação e livre-arbítrio, sem problemas; unitarismo e trinitarianismo, sem problemas; soberania de Deus e inviolabilidade da liberdade humana, sem problemas. “E Elias se chegou a todo o povo, e disse: Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal, segui-o. O povo, porém, não lhe respondeu nada” (1Rs 18.21).

O povo queria uma fé sem radicalismos, onde coubessem todos, inclusive aqueles que sustentassem doutrinas contrárias. Elias, ainda que sozinho contra quatrocentos e cinqüenta profetas de baal, manteve seu radicalismo firmado na lógica da Palavra de Deus: o Deus verdadeiro, cuja Palavra é a Verdade, não pode contradizer-se. Portanto, não seria justificável escolas teológicas divergentes caminhando lado a lado entre o povo de Deus. Quando olhamos para o cristianismo evangelicalista, tão popular em nossos dias, é-nos imposto questionar: Onde está hoje o Espírito que operava em Elias, levando-o ao inconformismo e à guerra contra toda a nação apóstata? Certamente nos poucos eleitos, separados pelo Senhor (1Rs 19.18).

Como se multiplicam as igrejas e os pregadores sustentando doutrinas contrárias à Bíblia! E se alguém ousa criticar ou questionar um único ponto, é taxado de louco, fanático e egoísta, sem amor e dono da verdade. Mas ignoram que nunca foi permitido à igreja, nem mesmo nos tempos de Elias, manter padrões doutrinários divergentes.

Há muitas vozes estranhas soando no meio do povo que se diz evangélico. Escolas teológicas das mais variadas, trazendo todo tipo de pensamentos e palavras. E tudo é aceitável, pois o silêncio tem sido um só: o de todos. Cumpre-se, assim, a palavra do Senhor Jesus: “Contudo quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18.8). Lembrando que fé aqui indica compromisso e submissão ao conteúdo da Sua Palavra!

O HUMILDE RADICALISMO DE ELIAS
Pode parecer estranho falar em humildade dentro de um contexto de radicalismo. Elias manifesta tal possibilidade. Exige que seus compatriotas parem de titubear entre duas escolas antitéticas, a baalista e a javista. É inaceitável, para o profeta do Senhor, que tal coexistência permaneça por mais tempo. Exige-se uma definição.

Contudo, tal definição, Elias deixa bem claro, não é a princípio, simplesmente arbitrária, como se qualquer possibilidade fosse válida e aceitável.Não! O profeta manifesta-se verdadeiro e coerente. Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal, segui-o.

É exigido de cada um que faça sua escolha, que se decida e que seja manifesto a todos o posicionamento de cada qual perante a Verdade. O profeta não se mostra transigente ou aberto a meios-termos. O radicalismo de Elias é característica de toda a Palavra de Deus, tanto nos profetas do Antigo Testamento quanto nos Apóstolos do Novo.

Cristianismo verdadeiro só pode ser do tipo radical, isto é, firme na verdade da Palavra, sem negociações ou meios-termos que comprometam a doutrina. É por isso que a Igreja é chamada de Apostólica – fundamentada na doutrina dos Apóstolos expressa em o Novo Testamento.

O radicalismo se faz em prol da Verdade, a Palavra de Deus, conforme salientou o Paulo: “Porque nada podemos contra a verdade, porém, a favor da verdade” (2Co 13.8). Elias mostra-se um homem da verdade e não teme as conseqüências nem a investigação de suas doutrinas. Antes, mostra-se aberto à discussão e à confrontação entre a escola por ele representada (javista) frente à oposição (escola baalista).

Devemos temer aqueles que fogem da confrontação teologia. Não vemos tal atitude em Elias, nem em Jesus e muito menos nos Apóstolos. Ter receio de ver suas idéias teológicas serem confrontadas com a Verdade, a sã doutrina da Palavra de Deus, que é o Padrão para a Igreja, revela-se como uma atitude negativa e frágil, covarde e em desvantagem.

Infelizmente muitos pensam que é danoso à fé vê-la sendo discutida e confrontada. Seria, dizem eles, perturbador aos novos crentes e escandaloso ao mundo! Nunca leram o Novo Testamento. Não era esse o costume de Jesus nos Evangelhos e dos Apóstolos em Atos? Do que eles têm medo então? O que querem evitar? Certamente temem que sua teologia oficial seja desmascarada perante a Bíblia e que suas mentiras, disfarçadas de teologia bíblica, venham à tona, libertando os que lhes foram subjugados através de mentiras e superstições.

Israel tentou silenciar os profetas perseguindo-os, exilando-os e, por fim, matando-os. Os judeus tentaram calar Jesus Cristo, ameaçando-o e, por fim, crucificando-o. Os fariseus, apoiados no império romano, logo passaram a ameaçar, perseguir e assassinar os apóstolos e muitos outros dentre a igreja. O Papa tentou silenciar Lutero e os reformadores, tendo antes já prendido, exilado, torturado e assassinado tantos outros que se levantaram com a Bíblia nas mãos para confrontar o Anticristo. O Concílio de Trento, conhecido como Contra-Reforma, anatematizou (amaldiçoou) todos os que negavam o papismo.

É interessante perceber como igreja romana mostra-se tão simpática ao evangelicalismo contemporâneo. Seria tolo supor que o Papa está mais simpático à doutrina bíblica. Ele é o Anticristo, o homem da iniqüidade (conf. 2Ts 2.7-12). O que Roma já percebeu há muito tempo é que a igreja evangélica de hoje não representa qualquer ameaça, pelo contrário: sua doutrina é exatamente romanista: papista, pelagiana, carismático-pentecostal. Veja o capítulo XIX – Roma subjuga o mundo outra vez.

Elias não considerou danoso à fé pô-la à prova perante todo o povo num confronto teológico contra os quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal. Elias não considerou a paz acima da verdade, nem a unidade e a fraternidade e o amor acima da Palavra do Deus Vivo.

Os que se mostram desejosos da paz e da unidade acima da doutrina da Palavra de Deus, nada mais demonstram que um caráter maligno e contrário à Verdade Revelada – a Escritura.

Aqui está o humilde radicalismo de Elias. Humilde porque aberto à investigação e ao confronto teológico. Radical porque não tolerava escolas antitéticas coexistindo passivamente entre o povo de Deus. Vemos o mesmo caráter em Jesus Cristo e nos Apóstolos.

A VERDADE ESCANDALOSA DO HUMILDE JESUS
Jesus sempre esteve aberto a discutir sua teologia e confrontá-la perante as Escrituras. Vemo-lo por tantas vezes sendo questionado e mostrando o fundamento de seu discurso teológico – a Palavra; bem como desmascarando a teologia judaica que, dizendo-se firmada na Palavra, se revelava contrária à mesma quando em confronto.

Alguns exemplos marcante temos no evangelho de João. Ali vemos Jesus vários debates teológicos contra não apenas os fariseus, mas até mesmo contra muitos de seus seguidores, que pretensamente se passavam por discípulos.

Vejamos Jo 6.35-44: “Declarou-lhes Jesus. Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim, de modo algum terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede. Mas como já vos disse, vós me tendes visto, e contudo não credes. Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do que me enviou é esta: Que eu não perca nenhum de todos aqueles que me deu, mas que eu o ressuscite no último dia. Porquanto esta é a vontade de meu Pai: Que todo aquele que vê o Filho e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desceu do céu; e perguntavam: Não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz agora: Desci do céu? Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia”.

Jesus apresenta-se a si mesmo como salvador não de todos os homens (a Bíblia é explícita em revelar que nem todos os homens serão salvos, conf. Mt 7.13,14; Lc 13.24), mas dos eleitos, isto é, daqueles que o Pai lhe dera (v.37-39). Tal doutrina escandalizou os judeus, que permaneciam murmurando contra Jesus (v. 41). Jesus então revelou a causa da descrença e da incompreensão dos judeus quanto a sua doutrina: “Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (v.44).

A questão é que, ao explicitar tal doutrina, Jesus, que já estava cercado pelos judeus, viu-se agora confrontado por muitos dos próprios seguidores: “Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” (v.60).

Ao verem-se perplexos e escandalizados com a doutrina ministrada por Jesus, aqueles pretensos seguidores deram um salto para trás e revelaram-0se incrédulos. Jesus, por sua vez, não amenizou. Pelo contrário, revela que tal atitude daqueles pretensos seguidores nada mais era do que o caráter diabólico que se ocultava por trás de uma falsa piedade – piedade que se contrapunha à verdadeira doutrina (v.64,70). Eram discípulos diabólicos, pois não suportavam a doutrina do Senhor. Para as ovelhas, a doutrina é alimento e vida (v.35), sustenta e edifica; mas para os lobos, a doutrina é insuportável e escandalizadora, irrita e repele!

Diferentemente de encobrir sua doutrina e camuflá-la ou até mesmo negá-la, a fim de manter laços fraternais e amistosos para com os judeus ou mesmo pretensos seguidores, Jesus radicalizou, confrontando agora o grupo de seguidores, ao enfatizar o que já antecipara: “E continuou: Por isso vos disse que ninguém pode vir a mim, se pelo Pai lhe não for concedido” (v.65).

E qual foi a conseqüência de tal radicalismo do próprio Jesus? “À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam mais com ele” (v.66).

E que Jesus fez depois de tal abandono? Arrependeu-se de ter afirmado e confirmado a doutrina? Pediu desculpas e voltou atrás? Pelo contrário, tornou a confrontar o próprio grupo mais íntimo, os apóstolos: “Então disse Jesus aos doze: Quereis vós também retirar-vos?” (v.67).

Diante da confrontação de Jesus, podemos perceber qual o caráter do crente verdadeiro: não sentimentalismos lânguidos e afeminados; não expressões corporais ou emocionais pela oração ou louvor; não instintivas revelações ou espiritualismos baseados em anjos ou êxtases; mas tão somente na perfeita e suficiente Palavra de Deus (conf. 2Tm 3.16,17).

Se para quase todos a Palavra de Cristo é escandalosa e incômoda, para os verdadeiros discípulos é alegria e poder e glória!

Quanta coragem e ousadia da parte do Senhor Jesus, mesmo correndo o risco de ficar sozinho! Mas jamais aberto a negar ou tergiversar acerca da doutrina, exatamente como Elias: “Então disse Elias ao povo: Só eu fiquei por profeta do Senhor, e os profetas de Baal são quatrocentos e cinqüenta homens” (1Rs 18.22).

Qual o motivo que incita a igreja hoje a ser diferente de Jesus e Elias? Por que é tão comum e plenamente aceitável no meio da comunidade evangélica evitar o confronto da doutrina com a Palavra de Deus?

Tais pregadores trazem visões falsas e revelações do próprio coração, mas não a Palavra de Deus (conf. Jr 23.16-32); falam de meros moralismos éticos, fundamentados em sua doutrina legalista ou de carismatismos falsos e canais de falsa revelação (conf. Cl 2.16-19); espraiam suas doutrinas de demônios, negando a clara revelação da Palavra de Deus (conf. 1Tm 4.1-5); ansiosos por novidades que embalem seus ouvintes em mentiras e falsificações, em cobiças contrárias à doutrina da Palavra (conf. 2Tm 4.2-5); desprezando a Palavra de Deus por torpe ganância (conf. Tt 1.10,11). Atentemos para a solene advertência e ordem do apóstolo Paulo: “É preciso fazê-los calar” (Tt 1.11a); e: “Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé” (Tt1.13b).

DISCÍPULOS DIABÓLICOS
Outro episódio de Jesus está em João 8. Jesus ensinava sua doutrina perante as multidões e, especialmente, cercado pelos discípulos e líderes judaicos. Em certo ponto de sua exposição houve um confronto direto entre Ele e os judeus que professavam fé no Senhor.

Vejamos. “Falando ele estas coisas, muitos creram nele. Dizia, pois, Jesus aos judeus que nele creram: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (v.30-32).

Até certo ponto da doutrina, tudo estava bem e muitos concordaram com Jesus e lhe deram crédito. Mas aí Jesus partiu para outro ponto da doutrina. E o problema começou. Ao ouvirem Jesus falar em libertação e escravidão, aqueles homens até aqui seguidores se sentiram ofendidos e rejeitaram o ensino de Jesus.

Ora, os judeus criam no livre-arbítrio do homem – como crêem até hoje – à semelhança dos povos pagãos. Quando Jesus lhes informa ação libertária de Sua palavra na vida de seus seguidores, aqueles homens quase caem para trás de susto e rejeitam esse ponto da doutrina do Mestre. O argumento por trás da perplexidade daqueles judeus crentes parece óbvio: “Responderam-lhe: Somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém; como dizes tu: Sereis livres?” (v.33).

A escravidão a alguém ou a algo era humilhante aos judeus. Imaginar estarem eles na condição de escravos era inaceitável e totalmente repudioso. Que história é essa de sermos livres, se jamais fomos escravos de alguém? Uma teologia bastante lógica e universal. Mas não é a teologia de Jesus.

Assim, o Mestre lhes dá uma reposta além do que eles mesmos jamais suporiam, porque não atentavam para as Escrituras, mas para seu próprio orgulho de uma tradição religiosa desconexa da Palavra de Deus. “Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado (v. 34).

Ah, que palavras tão duras e tão realistas! Nunca haviam imaginado a si mesmos como escravos do pecado. Pensavam acerca de si mesmos como livres e autônomos. Mas Jesus lhes trouxe a revelação da Palavra, e tal palavra foi tão insuportável que a repeliram tenazmente. E Jesus precisou declarar-lhes sua real condição: não de filhos de Deus, como vinham alegando (v.41); mas de filhos do Diabo, como Jesus lhes declarou: “Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (v.44).

E, por fim, Jesus explana ainda mais claramente a declaração que fizera; só que agora não mais apenas acerca daqueles pretensos crentes do século primeiro, mas sobre todos os que rejeitam a verdadeira doutrina revelada pelo Senhor na sua Palavra: “Mas porque eu digo a verdade, não me credes; Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso, não me dais ouvidos, porque não sois de Deus” (v.45,47).

AMAR A JESUS É AMAR A SUA DOUTRINA
E vemos novamente o que acontece quando a Palavra de Deus é fielmente pregada em toda a sua doutrina – o confronto com os filhos das trevas que, muitas vezes camuflados de ministros de justiça (conf. 2Co 11.13-15), aparentam amor para com Jesus Cristo, mas revelam-se irados opositores da doutrina santa da Palavra: “Então pegaram em pedras para atirarem nele” (v.59).

O curioso é que esse versículo é dito acerca dos mesmos judeus que, dezenove versículos anteriores, professavam fé cristã e apego a Jesus Cristo.

Jesus esclareceu: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21). E, orando ao Pai, afirmou: “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus, e tu mos deste; e guardaram a tua palavra” (Jo 17.6). E o Apóstolo João completou: “Porque este é o amor de Deus, que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são penosos” (IJo 5.3).

Para os eleitos a Palavra é alegria e vida. E quanto mais aprendem a Doutrina, mais anseiam conhecê-la e recebê-la. Todavia, para os réprobos, a Palavra suscita ódio e fúria do inferno.

Os ímpios e o falso cristianismo amam e professam o falso Jesus da falsa religião. Como eles amam o Jesus que concede livre-arbítrio aos homens; que não interfere na liberdade e autonomia humana; o que veio trazer paz à terra! Mas o verdadeiro Jesus revelado na doutrina bíblica, que expõe a escravidão do homem e o seu não-livre-arbítrio; que elege para a salvação a quem quer e entrega ao próprio pecado também a quem bem quiser (conf. Rm 9.18); o que veio trazer espada e não paz; a esse Jesus eles odeiam a ponto de perseguirem-no e matá-lo: “Mas agora procurais matar-me, a mim que vos falei a verdade que de Deus ouvi; isso Abraão não fez” (Jo 8.40).

Aos servos de Jesus que sustentam corajosa e perigosamente o que Jesus defendeu e sustentou, mesmo em face das pedradas e da cruz, sim, a esse Jesus e à sua Palavra e àqueles que permanecem nessa Palavra, a esses eles odeiam com ódio do inferno e contra os mesmos rangem os dentes e afiam as garras. Morte aos tais, permanece o seu lema contra a igreja verdadeira que não teme sustentar a doutrina!

Devemos lembrar que, dos doze Apóstolos, mais Paulo, apenas um teve morte natural, mas mesmo assim foi exilado por muito tempo na ilha de Patmos, onde recebeu a visitação e o conforto do Senhor. Todos os demais foram perseguidos e mortos: apedrejados, flechados, crucificados, queimados, decapitados, perseguidos e torturados até a morte.

Homens que sofreram por pregar o mesmo que Jesus pregara, sem negociar a Palavra de Deus. Homens que sustentaram a doutrina mesmo em face dos maiores perigos. Homens de coragem, homens de fé. Homens dos céus. Homens de verdadeiro amor ao verdadeiro Jesus – porque eram homens da Palavra! “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele” (Jo 14.21).

É exatamente isso o que podemos averiguar nos Atos dos Apóstolos e, especialmente, na vida de Paulo, o homem mais corajoso e destemido pela doutrina verdadeira da Palavra de Deus, cujo lema ecoava perante todos e, muito mais firmemente, entre os seus colegas de ministério: “prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2). Prega a Palavra, quer ouçam quer deixem de ouvir! “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina: persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1Tm 4.16).

Ninguém foi tão apegado à Palavra da Doutrina, nem ninguém dentre os servos teve tanta preocupação em que a Doutrina fosse fielmente pregada e os falsos ensinos confrontados do que esse homem. Portanto, não seria de admirar que tal homem fosse o mais perseguido e torturado; que tal homem fosse tão desprezado pelo mundo e pelo falso cristianismo.

Paulo, o odiado pelos homossexuais; Paulo o desprezado e criticado pelas feministas evangélicas e suas pastoras; Paulo o anatematizado pelo falso cristianismo da salvação pelas obras; Paulo, o diabo que ensinou a famigerada Predestinação e a eterna Eleição Incondicional; Paulo, o demônio que, como Jesus, negou o livre-arbítrio.

Sim, Paulo, o homem da Doutrina Cristã; o confrontador dos judaizantes de ontem e evangelicalistas de hoje. Paulo, sozinho em sua época, ao fim de sua vida: velho, doente e preso por causa da Palavra, abandonado por todos, sem ninguém ao lado, escrevendo com tinta e lágrimas: “na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram. Que isto não lhes seja posto em conta!” (2Tm 4.16).

Paulo, o homem que ousou doutrinar a Igreja com a Palavra de Deus, em oposição aos falsos evangelhos. Paulo, o vigoroso servo de Cristo que pôde exclamar ao fim da peleja: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.7). Ao fim de tudo, combatido e combalido pelo ardor da peleja; provado pelas privações e angústias; experimentado pelas perseguições dos de fora e pela hipocrisia dos falsos irmãos aqui dentro; alquebrado pela idade e pelas enfermidades; sim, vemos agora o velho soldado pronto para o patíbulo, orgulhoso de ter mantido seguro o depósito da fé – a Doutrina da Palavra de Deus (1Tm 6.20).

Paulo, o campeão da Fé. Paulo, o defensor da Doutrina. Paulo, o corajoso soldado de Jesus Cristo, que empunhando a Espada do Espírito – a Palavra – pregou ao mundo, enfrentou gigantes, desafiou as falsas doutrinas, confrontou o falso evangelho e a falsa religião, corrigiu os erros e lutou pela Verdade da Palavra, até que, chamado pelo Seu Senhor, a quem tanto amava e por quem estava disposto a sofrer todas as coisas, caiu decapitado aos pés de um soldado romano, mas sempre firme na Doutrina.


(Em breve será postado o terceiro capítulo - Paulo Contra os Judaizantes, Gnósticos e Outros)