III
Paulo Contra os Judaizantes, Gnósticos e Outros
Pois busco eu agora o favor dos homens, ou o favor de Deus? Ou procuro agradar aos homens? Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo (Gl 1.10).
“Porque para mim o viver é Cristo” (Fl 1.21).
PAULO, O CORAJOSO SOLDADO EM COMBATE
Os Judaizantes (cristãos professos, defensores da obrigatoriedade das observâncias cerimônias judaicas – como a circuncisão, a guarda do sábado e abstinência de alimentos, dentre outras coisas – para os cristãos gentios).
Com uma impressionante organização e fervor missionário, começando por Jerusalém, tais grupos logo se espalharam por toda as principais regiões gentílicas onde o evangelho já havia chegado através do labor de outros cristãos, especialmente pela tarefa evangelizadora do Apóstolo Paulo. O conflito foi inevitável e terrivelmente acentuado.
Para Paulo, os tais judaizantes, ao esboçar uma teologia comprometedora da doutrina evangélica, revelavam-se falsos irmãos (Gl 2.4). Várias das epístolas do Apóstolo aos gentios revelam o ardor da batalha travada entre Paulo e os tais perturbadores e pervertedores do evangelho de Cristo, como foram chamados pelo apóstolo (Gl 1.7).
O conflito chegou a tal ponto de ebulição, que foi necessário um posicionamento formal dos apóstolos em Jerusalém acerca de quem estava pregando o verdadeiro evangelho. Estava claro para a igreja que quando duas posições são antitéticas, isto é, contrárias entre si, uma deve estar errada. Ou mesmo ambas. Mas não é possível que duas opiniões opostas entre si estejam ambas certas ao mesmo tempo. É uma simples questão de coerência.
Uma das terríveis tragédias da igreja hoje é que tem sido permitido que várias opiniões contrárias concorram dentro da mesma assembléia, sem qualquer problema. Não faz diferença que duas ou mais pessoas (ou talvez dois ou mais grupos) sustentem doutrinas contrárias sem qualquer constrangimento.
A igreja de hoje vê como plausível que vários grupos denominados evangélicos sustentem doutrinas completamente contrárias entre si e ainda assim sustentar passivamente que todos estão com o evangelho. Seria o evangelho contraditório? A Palavra de Deus é tão confusa assim? Afinal, Deus é Deus de confusão?
Como pode um grupo defender a doutrina da eterna segurança do crente, isto é, que o salvo não perde a salvação; e outro defender que sim, que o salvo pode perder a salvação, e ambos estes grupos serem considerados bíblicos? Poderia a Bíblia, a inerrante Palavra de Deus, ensinar uma coisa em um texto e outra coisa em outro texto? Isso não seria ridicularizar a Bíblia? Certamente alguém aí está contra a Bíblia, pois a Palavra de Deus não se contradiz e, portanto, não poderia ensinar ambas as posições. Alguém está perturbando e pervertendo o evangelho de Cristo (conf. Gl 1.7).
O relativismo teológico moderno não se enquadra na postura e na teologia da igreja de Jerusalém e do apóstolo Paulo.
A atitude do Apóstolo Paulo e Barnabé é sugestiva para a Igreja de todos os séculos: “Tendo Paulo e Barnabé contenda e não pequena discussão com eles” (At 15.2). Paulo e Barnabé não se omitiram da árdua tarefa de entrar na arena e pleitear a Verdade do Evangelho mesmo contra pretensos irmãos na fé, pessoas mais antigas na comunidade eclesiástica e mesmo líderes: a Palavra de Deus não está disponível a negociações ou agrados dos homens (Gl 1.10).
Essa foi a corajosa atitude do Apóstolo Paulo, homem de grande estima e amor para com a Palavra e a Honra do Evangelho. Seria possível o desbaratamento da Santa Doutrina, o rebaixamento do Padrão de Fé revelado na Palavra, sem que isso ferisse profundamente o coração da Igreja e dos verdadeiros cristãos?
Poderia um filho de Deus ver seu Pai sendo zombado e diminuído em sua Perfeita Palavra por falsos cristãos, aos quais ainda fosse possível oferecer a destra da comunhão? O próprio Paulo nos responde: “De modo nenhum; antes seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso” (Rm 3.4).
Paulo e Barnabé não tergiversaram. Antes, levantaram uma polêmica no seio da Igreja, entre todos os cristãos e acirraram uma não pequena discussão contra aqueles “irmãos”.
Uma das grandes armas de Satanás contra a Igreja tem sido o fato de que nos foi incutido que devemos procurar a paz a qualquer custo – discussões e defesa da doutrina estariam fora de questão. E muitos têm pensado e vivido dessa maneira. Preferem calar-se e aceitar tudo passivamente a levantar a gloriosa polêmica da defesa da doutrina.
E isso porque esperam passar aos outros a imagem de crentes humildes, pessoas não-problemáticas, amantes de todos.
Contudo, não compreendem que Paulo fez exatamente o contrário: chamou a luta para si e para a defesa da Doutrina. Não teve medo nem se acovardou perante críticas ou mesmo incompreensões, que certamente surgiriam.
Em outro momento, porém, Paulo teve novamente de opor-se de maneira cabal e feroz contra os judaizantes, que agora levavam vantagem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, pois o Apóstolo Pedro debandara, temendo os da circuncisão, que incluía talvez até Tiago; e até mesmo o próprio Barnabé dissimulou com eles: “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe na cara, porque era repreensível. Pois antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios; mas quando eles chegaram, se foi retirando e se apartava deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimularam com ele, de modo que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam retamente conforme a verdade do evangelho, disse a Cefas perante todos” (Gl 2. 11-14).
AMOR E SUBMISSÃO À PALAVRA
Paulo foi muito corajoso e valente pela causa de Cristo, sem se importar em agradar primeiramente a homens, mas a Deus. Sua luta foi tamanha, sem concessões – “aos quais nem ainda por uma hora cedemos em sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós” (Gl 2.5). Que tremendo soldado de Cristo. Por isso ele escreveu a Timóteo: “Sofre, pois, comigo, as aflições como bom soldado de Jesus Cristo” (2Tm 2.3). Eis aí o chamado e a vocação de Deus para todo crente fiel: um soldado disposto a sacrificar-se por amor ao seu General Amado! Não há outra opção, não há alternativa, não há outro evangelho. “E, [Jesus] chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me” (Mc 8.34).
A Palavra de Deus nos revela que, à semelhança de Paulo, é dever e obrigação de todo crente verdadeiro “pelejar pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (Jd 1.3). Os que dizem crer e buscam um cristianismo sem conflito doutrinário, sem luta pela verdade, sem batalha pela fé, onde todos estão juntos, independentemente de suas doutrinas, estão trilhando o caminho largo e espaçoso, isto é, o caminho que comporta todos os tipos de confissões doutrinárias, mesmo divergentes entre si, anulando e negando a Palavra. Que Deus tenha misericórdia de nós.
Demos um pulo em Gálatas 2. Aqui está novamente sendo narrado o mesmo episódio de Atos 15. Agora, Paulo está enfrentado uma situação idêntica contra os Judaizantes nas igrejas da Galácia. Ao analisar esses dois capítulos da Palavra de Deus, perceberemos que:
a) A Igreja Verdadeira é constituída de Paulos – coragem pela Palavra: homens apaixonados pela genuína doutrina bíblica, para os quais nada deve ser acrescentado ou negado da Palavra. Homens humildes e amorosos, mas corajosos a ponto de confrontarem os próprios colegas (mesmo sendo estes mais velhos e respeitados, e até mesmo hierarquicamente superiores). Pois foi isso exatamente o que Paulo fez. Nada é superior à Palavra: sejam anjos ou homens, Jerusalém, papas; sejam tradições, concílios, denominações, convenções, ou qualquer outra coisa ou criatura;
b) A Igreja Verdadeira é constituída de Pedros – humildade perante a Palavra: homens que têm a humildade de se submeter à Palavra, mesmo que a princípio tergiversaram ou mal-compreenderam. Não têm vergonha ou temor de exaltar a Palavra e os genuínos pregadores, mesmo que isso pareça lhes custar a honra pessoal (2Pe 3.15,16), pois sua maior alegria é ver a Palavra exaltada, ensinada e crida – e a honra de nenhum de nós vale nada perante a Glória da Palavra! “pois Tu [Senhor] engrandeceste acima de tudo o teu nome e a tua palavra” (Sl 138.2)
NEM TODO EVANGELHO É EVANGELHO
Primeiramente, vemos o caráter santo e inegociável do evangelho, pois o Apóstolo considera e alerta que toda tentativa de mudar, acrescentar ou até mesmo melhorar o Evangelho recebe o anátema (maldição) por parte do próprio Deus! (Gl 1.8).
Há um pensamento muito equivocado no seio dos que se consideram cristão hoje acerca do próprio Evangelho. Para eles, todo evangelho deve ser considerado verdadeiro e aceitável. Para a igreja moderna, todo aquele que diz Senhor, Senhor entrará no reino dos céus! (conf. Mt 7.21). Para essa igreja moderna, não há ministros de Satanás operando grandes sinais e prodígios (conf. 2Co 11.15). Para tal igreja, tão popular em nossos dias, todos os que pregam em nome de Jesus, expulsam demônios, realizam curas e maravilhas, são conhecidos, isto é, eleitos e pertencentes a Jesus (conf. Mt 7.22,23).
Porém, a própria Bíblia não nos ensina assim. Somos advertidos muitas vezes acerca dos falsos mestres, com suas doutrinas heterodoxas, suas práticas libertinas, e seus desejos cobiçosos de avareza (Conf. Jd e 2Pe 2).
Assim é que podemos observar a luta travada dos Apóstolos contra tais “evangelhos”. Aqui em Gálatas, Paulo começa deixando bem claro que nem todo evangelho é evangelho. Já em seu tempo havia muitos propalando um evangelho cujo caráter não se assemelhava ao Evangelho. Era na verdade uma perversão do Evangelho, uma perturbação contra a igreja.
A linguagem do Apóstolo aos gentios é muito dura contra os Judaizantes, um grupo pertencente à igreja de Jerusalém, com altos cargos de liderança no seio da igreja, forte ardor missionário, e que atravessava as muitas regiões (inclusive da Galácia) anunciando um evangelho aparentemente igual ao pregado por Paulo e seus companheiros. Mas a questão era ainda mais delicada.
Uma análise minuciosa da doutrina Judaizante nos mostrará que pequenas alterações no conteúdo do evangelho, mesmo com boníssimas intenções, descaracterizam e pervertem o mesmo. Qual era a doutrina Judaizante? Simples: a salvação do homem depende, em parte, do próprio homem! (At 15.1).
Parecia ser uma questão de preocupação ética – ou até mesmo de santificação. Parecia ser uma questão de humildade e obediência aos princípios dos Patriarcas – seguir o exemplo e a prática dos Pais. Mas só parecia. Para o apostolo Paulo a questão era muito mais profunda. Era uma negação da Fé.
Ensinar que a salvação depende de algo que o homem faça (seja a circuncisão, sejam as boas obras, seja qualquer coisa advinda do próprio homem) é negar a suficiência do Evangelho de Cristo. Por isso Paulo escreveu tão clara e firmemente: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).
Para o Apóstolo Paulo, o que estava em jogo não era uma questão de facas, cutelos, ou prepúcios. Mas o âmago do Evangelho – a salvação é um dom gratuito de Deus aos seus escolhidos! Não há nada que o homem possa fazer para ganhar tal dom. É uma dádiva (presente), e não uma dívida (recompensa) (Rm 4.4).
Para Paulo, nem tudo que se apresenta como evangelho é realmente evangelho. Nem todo pregador da justiça é de fato um servo de Cristo, pelo contrário, são ministros de Satanás (2Co 11.15). E o padrão para distinguir uma coisa da outra é um só – a doutrina do Evangelho, a Palavra de Deus.
SALVAÇÃO PELA GRAÇA, SEM OBRAS HUMANAS
A questão era realmente bastante tênue. Quase imperceptível aos olhos leigos. Mas não para os Apóstolos de Cristo e a Igreja. Podemos sumarizar a questão entre Paulo e os Judaizantes com o seguinte esboço.
Judaizantes Jesus + obediência = salvação (a parte de Deus) (a parte do homem)
Paulo Jesus + salvação = obediência
(Jesus efetua a plena e completa salvação na vida do homem que está morto em pecado, o que gera uma nova vida vivida em obediência à Palavra de Deus)
Para os Judaizantes do primeiro século, o homem não poderia ser salvo sem que contribuísse para isso. Para Paulo, há um efeito de obediência na vida do salvo, mas ele não é salvo pela obediência, mas pela graça de Deus em Jesus: “não em virtude de obras de justiça que nós houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou mediante o lavar da regeneração e renovação pelo Espírito Santo” (Tt 3.5).
Para os judaizantes do primeiro século, a salvação era conquistada pela obediência à guarda das leis cerimônias (circuncisão, por exemplo). Para Paulo, a salvação era demonstrada na obediência do salvo à prática da Lei moral. Mas o fato permanecia: para os Judaizantes, a salvação do homem depende de alguma contribuição feita pelo próprio homem.
O homem pode, de alguma maneira, contribuir com a sua salvação? Os judaizantes respondiam decisivamente sim. O homem não apenas pode, mas deve. E, de fato, os salvos serão aqueles que cooperaram para que Deus pudesse salvá-los.
O apóstolo Paulo percebeu nesse raciocínio tão comum e aparentemente correto um perigo mortal para a Fé Cristã. Primeiro, porque tal pensamento nega a Queda e suas mortais conseqüências na vida do homem, incapacitado pelo pecado (Ef. 2.1); também porque concede a glória da salvação ao homem, em ter feito a sua parte para que Deus pudesse salvá-lo, e não exclusivamente a Deus, que sozinho opera plenamente a salvação (Ef 2.8).
Além de negar o Poder Soberano Absoluto de Deus, a doutrina judaizante insinua (e ensina) que o Deus está incapacitado de efetuar a salvação na vida de uma pessoa, sem que a mesma coopere e ajude ao Senhor nisso! Coitado desse deus que depende do homem para realizar algo! Esse deus crido pelos judaizantes definitivamente não se parece em nada com o Senhor Deus Jeová das Escrituras e de Paulo: “Eu sou Deus; também de hoje em diante, eu o sou; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; operando eu, quem impedirá?” (Is 43.13); “Quando os seus discípulos ouviram isso, ficaram grandemente maravilhados, e perguntaram: Quem pode, então, ser salvo? Jesus, fixando neles o olhar, respondeu: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mt 19.25,26): a salvação não é possível pelo esforço humano. E o homem em absolutamente em nada contribui para a salvação. É ato sobrenatural. “Ao Senhor pertence a salvação” (Jn 2.9b).
O CASO DE SPURGEON
Os batistas modernos (arminianos) se vangloriam e enaltecem sua tradição perante outras denominações utilizando-se, entre outras coisas, do nome de Charles Haddon Spurgeon, o afamado Príncipe dos Pregadores.
E é a pura verdade. Spurgeon pregou a doutrina bíblica como pouquíssimos o fizeram. O contraste, porém, está em que os tais batistas – que tanto se orgulham do nome de Spurgeon – estão pregando e crendo exatamente o contrário do que o Príncipe dos Pregadores cria e anunciava. Portanto, é uma grande contradição e um terrível engano que tais batistas arminianos gloriem-se a respeito de tal pregador.
Spurgeon foi um dedicado homem de Deus, grande profeta (pregador da Palavra) e, por isso mesmo, evangelista. Anunciou por toda a sua vida, sem titubear jamais, a Doutrina da Palavra de Deus, quer gostassem quer não gostassem. Muitos o ouviam com alegria e receptividade. Mas há registros históricos de muitos outros que o criticavam e desafiavam a doutrina que lhes era anunciada do púlpito e da boca de Spurgeon.
Consciente de que a Doutrina não será ouvida por todos os que se dizem cristãos, e que o pastor será tentado sempre a agradar aos seus ouvintes, inclusive por negar-lhes a Doutrina e dar-lhes divertimentos e modernidades que satisfaçam ao ego dos membros eclesiásticos: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas” (2Tm 4.3,4), o Príncipe dos Pregadores já dizia aos seus alunos: “A função do pastor é alimentar as ovelhas, e não divertir os bodes!”.
Era essa a postura de Spurgeon, mas infelizmente não mais a postura dos batistas. E isso já se demonstrava em seu próprio tempo, ao sofrer a oposição de muitos crentes e o jogo político interesseiro da Convenção, que sempre procurou mais o louvor dos homens que o de Deus.
Conta-se, por exemplo, de um caso que houve durante uma pregação de Spurgeon. Lá estava o pregador anunciando o mesmo evangelho anteriormente pregado por Jesus e Paulo – as ignoradas doutrinas da graça, também conhecidas como os cinco pontos calvinistas. Entre seus ouvintes, um jovem estudante de teologia, educado numa tradição antibíblica, o arminianismo.
Ao final da reunião, lá estava o pregador a despedir sua congregação quando foi interpelado por aquele jovem que, entre sorrisos simpáticos e falta de conhecimento bíblico, foi dizendo:
_ Pastor, desculpe-me, mas eu me senti incomodado com algo que o Senhor afirmou, quando disse que a salvação depende totalmente de Deus e em nada do homem. Penso que a salvação depende em parte do homem. Deve haver alguma parte que seja a parte do homem.
Spurgeon calmamente, e do alto de sua grande estatura e conhecimento bíblico, olhou bem para aquele rapaz e então ponderou:
_ Está bem. Já que você deseja tanto que o homem tenha alguma participação na salvação, posso conceder-lhe apenas aquela que é concedida pela Sagrada Escritura: o pecado!
E concluiu:
_ Então podemos ficar assim quanto à questão: Deus entra com a graça e o homem com o pecado! Isso é a salvação pela graça anunciada por Jesus e Paulo!
Eis a participação do homem no enredo da salvação: o pecado! Sim, porque tudo o mais é dom (presente) de Deus: a graça, a própria salvação e a fé (Ef 2.8); o arrependimento (At 11.18; 2.Tm 2.25); o vir a Cristo (Jo 6.44, 65); a revelação acerca do Pai (Mt 11.27); o entendimento do evangelho (2Co 2.12-16); a eleição (Jo 15.16) etc.
Assim, o Príncipe dos Pregadores não pode ser de qualquer ajuda para os judaizantes modernos (pelagianos, arminianos e suas variações), cuja teologia insiste que a salvação do homem continua a depender, em certos aspectos, do próprio homem, o que fere frontalmente a Doutrina Cristã: “não em virtude de obras de justiça que nós houvéssemos praticado, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou (...)” (Tt 3.5a); “porquanto pelas obras da lei nenhum homem será justificado diante dele; pois o que vem pela lei é o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.20); “sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, mas sim, pela fé em Cristo Jesus, temos também crido em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não por obras da lei; pois por obras da lei nenhuma carne será justificada” (Gl 2.16); “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos) (...) Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.4,5,8,9).
E curioso atentarmos para o fato de que o mesmo conflito travado entre Paulo e a Igreja de Jerusalém, contra os Judaizantes, permanece exatamente igual no conflito dos Reformadores contra o papa e Roma, e no conflito da Igreja Reformada contra os Pelagianos e Arminianos. Mais isso veremos mais à frente.
A IGREJA EVANGÉLICA JUDAIZANTE
Permanece ainda hoje entre os cristãos a doutrina judaizante: a salvação como recompensa de Deus por aquilo que o homem faz ou fez. Uma clara heresia! Os Judaizantes sobreviveram e mantém sua falsa doutrina ainda hoje, não mais com partes físicas do homem (o prepúcio, a princípio); mas com partes morais e volitivas (livre-arbítrio, uma decisão, um passo). Não percebem que sua doutrina nega o Evangelho e que seu evangelismo é antagônico à verdadeira Doutrina Cristã.
A Palavra de Deus nos revela que, para ser salvo, o homem precisa crer, mas também nos diz que a fé é dom de Deus: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2.8). Portanto, somente os que receberam o dom da fé crerão: “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus, e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade” (Tt 1.1). O homem precisa vir a Cristo, mas ninguém poderá vir a Ele se o Pai não trouxer tal indivíduo a Jesus: ”Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.44). Resumindo, o homem está totalmente impotente para fazer algo quanto à salvação, pois, segundo a Palavra de Deus, esse homem está morto: “Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2.1). E um morto nada pode fazer. Por isso, Deus enviou Seu Filho para fazer pelos eleitos aquilo que jamais poderiam fazer por si mesmos.
A igreja evangélica judaizante equivoca-se também quanto à natureza do homem, pois o pretende vivo, ativo e capaz quanto à salvação e às capacidades espirituais. Mas já vimos que ele está morto. Um morto nada pode fazer, nem mesmo tem qualquer vontade ou disposição. A natureza do homem está não só morta no pecado, mas também escravizada ao mesmo: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: Somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém; como dizes tu: Sereis livres? Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado“(Jo 8.32-34).
Os judaizantes modernos apresentam o homem vivo, ativo, livre e dominante sobre si mesmo, seu pecado e sua salvação, através de uma capacidade que eles chamam de livre-arbítrio. Contudo, a Bíblia o apresenta morto, inativo e incapaz (Jo 15.5), indisposto (Jo 5.40) filho do diabo (Jo 8.44) escravo do pecado (Jo 8.34).
A Queda, que na Bíblia foi mortal para o homem, (certamente morrerás! Gn 2.17) é apresentada pelos judaizantes como tendo simplesmente causado alguns leves ferimentos e contusões. Ignoram a gravidade da Queda e suas terríveis conseqüências.
Concluindo, as palavras de Jesus “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36), não têm qualquer significado para os judaizantes modernos, uma vez que eles já presumem os homens livres. Pode alguém que ainda não foi libertado pelo Filho ser verdadeiramente livre? Como Paulo bem viu, a falsa doutrina judaizante negava a própria obra de Jesus!
Com esse entendimento, Paulo não poupou, na Epístola aos Gálatas, críticas e esforços para limpar a igreja dos Judaizantes. Paulo revela o falso cristianismo dos mesmos aos chamá-los de “falsos irmãos” (2.4); condena abertamente os que seguiam tal doutrina ao acusá-los de não mais “obedecer à verdade” (5.7); propõe a exclusão dos tais do seio da Igreja (5.12); e finalmente expõe o juízo condenatório do Senhor sobre os tais, no “anátema” (amaldiçoados por Deus) (1.8,9) e na indistinção de pessoa ou posição (5.10), seja homem, seja anjo, seja o próprio apóstolo que venham a pregar tais heresias!
Há um padrão inequívoco e indisputável da Doutrina Evangélica. Fugir a esse padrão, seja por acréscimos, seja por omissões, não importa, causará sempre algo terrível: a perversão do Evangelho! (Gl 1.7).
Para Paulo, ao aceitar o pretenso evangelho judaizante da busca de aperfeiçoamento espiritual (salvação e santificação) pelas obras da Lei e pelos seus rituais, as igrejas da Galácia beiravam o abandono da fé:” Corríeis bem; quem vos impediu de continuardes a obedecer à verdade?” (Gl 5.7); e Paulo se questionava se sua obra entre os tais não teria sido em vão: “Temo a vosso respeito não haja eu trabalhado em vão entre vós” (Gl 4.11).
SEPARADOS DE CRISTO OS QUE PREGAM SALVAÇÃO PELAS OBRAS
Os Gálatas, ou galacianos, buscavam salvação pelas obras da Lei (a capacidade humana em obedecer a Deus) e Paulo os condenou por isso: “Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça decaístes” (Gl 5.4); e não apenas a salvação, mas buscavam também a santificação pelas obras da Lei (a capacidade humana em cumprir os preceitos de Deus): “sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (Gl 3.3).
O apóstolo aos gentios não pôde agir diferentemente quanto aos colossenses e aos efésios que, seduzidos pelo legalismo asceta judaizante, pensavam que a vida cristã estava firmada em termos de dietas sagradas, guarda de sábados, abstenção de bebidas e alimentos. Para esses, Paulo escreveu: “Ninguém, pois, vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa de dias de festa, ou de lua nova, ou de sábados, que são sombras das coisas vindouras; mas o corpo é de Cristo” (Cl 2.16,17); “Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios, pela hipocrisia de homens que falam mentiras e têm a sua própria consciência cauterizada, proibindo o casamento, e ordenando a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ações de graças pelos que são fiéis e que conhecem bem a verdade; pois todas as coisas criadas por Deus são boas, e nada deve ser rejeitado se é recebido com ações de graças; porque pela palavra de Deus e pela oração são santificadas” (1Tm 4.1-5).
O Apóstolo condena a idéia judaizante segundo a qual o comer certos alimentos vedados priva o homem de santidade e, por último, de sua aceitação por Deus. Jesus teve o mesmo embate contra os judeus em Mateus 15. 1-18, onde o Senhor Jesus revela aos seus discípulos que os fariseus (e por associação os judaizantes) não possuem autoridade divina, sendo eles mesmos cegos guiando a outros cegos, tendo como destino certo o abismo. Eles e tudo o que sua falsa religião representava seriam finalmente rejeitados por Deus e finalmente destruídos.
Uma das provas mais evidentes de que a Igreja vive tal apostasia dos últimos dias, conforme Paulo nos falou, é que todas essas coisas já se fazem presentes: a igreja romana, dizendo-se cristã, proíbe o casamento de seus sacerdotes; a igreja sabatista, dizendo-se cristã, ordena a guarda do sábado e a abstenção de alimentos que Deus criou. Paulo nos expõe que o Espírito já revelara tal apostasia nos últimos dias.
Atentemos para a palavra apostasia. Não se refere a grupos e igrejas fora do círculo cristão, mas a grupos e igrejas que se apresentam como cristãs e negam a Doutrina Bíblica, ao darem ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios.
Interessante que, para Paulo, a verdadeira igreja jaz em oposição a esse falso cristianismo:
a) A Igreja verdadeira ouve o Espírito (isto é, a Doutrina dos Apóstolos, a Palavra); o falso cristianismo ouve a espíritos enganadores;
b) A Igreja Verdadeira guarda a verdadeira Doutrina; o falso cristianismo sustenta doutrinas de demônios, isto é, doutrinas contrárias à Palavra.
A IGREJA EVANGÉLICA GNÓSTICA
Um outro grupo contra o qual o Apóstolo Paulo teve de digladiar-se foram os Gnósticos. É um pouco difícil definir quem eram e o que criam, pois havia variados grupos com certas nuances e pequenas distinções entre si. Sua fé possuía muitos elementos semelhantes ao cristianismo, mas outros elementos agregados formavam uma religião contrária à doutrina da Palavra de Deus.
Esses grupos estavam espalhados por todo o império romano, com seu pretenso cristianismo sincretista, místico, legalista e liberal.
1) Sincretismo
Uma mistura de várias filosofias e religiões, entre elas o próprio cristianismo. Religiões de mistérios, tão comuns no império greco-romano, filosofias orientais, ritos variados e crenças importadas de todas as partes formavam um corpo de conhecimento (gnose) para a vida dos adeptos.
2) Misticismo
Uma visão espiritualizada da vida e do destino humano, que seria influenciado e conduzido por forças espirituais e seres angelicais do bem e do mal, estando estes seres possíveis de manipulação pelo homem através de rituais, símbolos e palavras mágicas conhecidas apenas pelos adeptos – e daí advinha o caráter de mistério.
3) Legalismo
Uma prática voltada para rituais de libertação e purificação, através de abstenção de alimentos e bebidas; negação da sexualidade; opressão do próprio corpo, negando-lhe as necessidades; fuga de práticas normais da vida a pretexto de purificação; demonização de objetos e utensílios, alimentos e desejos físicos e até biológicos. Dicotomização entre matéria e espírito, onde a matéria – e tudo o que com ela se relaciona – é pecaminoso!
4) Liberalismo
Liberação de toda e qualquer prática moral, uma vez que, para certos grupos gnósticos, estando o espírito livre pelo conhecimento (gnose), não mais importa o que se faça com o corpo em qualquer aspecto, especialmente no caráter dos prazeres sexuais.
O QUE VOCÊ QUER DIZER?
Poucos grupos deram tanto trabalho ao apóstolo Paulo. Das treze epístolas paulinas, quase todas tratam diretamente contra a falsa doutrina desse grupo pretensamente cristão. Nenhum outro grupo causou mais danos à Igreja. Dos vinte e sete livros neotestamentários, pelo menos dezenove apontam diretamente seus canhões na exposição e destruição de tal heresia.
A idéia gnóstica de unir vários pensamentos religiosos (o que cada um tinha de melhor!), teve ampla aceitação nos primeiros séculos da Igreja. A busca de conceitos-comuns como ponte evangelizadora foi um argumento muito forte para seduzir a Igreja e levá-la a baixar a guarda.
Uma das grandes armas dos gnósticos era o seu vocabulário, muito semelhante ao evangélico. Utilizavam-se dos mesmos termos que a Igreja, mas com significados variantes. Assim, era natural para um cristão menos precavido ver como seu irmão em Cristo qualquer pessoa que falasse em iluminação espiritual, novo nascimento, coisas do alto, viver no espírito e não na carne, anjos, revelações, verdade, vida, caminho, luz, conhecimento, filhos de Deus, vida eterna, mundo espiritual, libertação espiritual, plenitude, etc.
Interessante que os próprios autores neotestamentários utilizaram-se do mesmo vocabulário, mas corrigindo-o e dando-lhe a verdadeira perspectiva Cristã. Assim, ao falar de novo nascimento, João não se refere a algo que o homem alcance por seu esforço ou aplicação espiritual, mas como obra única e exclusiva do Espírito Santo na vida do homem (Jo 3.5-7).
Da mesma forma, quando Paulo refere-se a carne (sárx) em oposição ao espírito, não está falando do corpo físico na maioria das vezes, mas da natureza humana decaída em rebeldia contra Deus (Ef 5.16).
O fato de um grupo utilizar-se do mesmo jargão que a Igreja não significa que tal grupo faça parte da igreja. É preciso não apenas utilizar o mesmo vocabulário, mas também a mesma conotação.
Foi assim também que os liberais neo-otodoxos do século XX injetaram sua teologia totalmente antibíblica nos seminários e faculdades teológicas, sem quase nenhuma reação opositiva por parte da Igreja. Eles se utilizavam do mesmo vocabulário, mas negavam o conceito histórico neotestamentário. Por exemplo, falavam de vida eterna, isto é, qualidade de vida aqui e agora, pois negavam o conceito de vida após a morte.
Ainda falavam em Ressurreição, mas numa perspectiva heideggeriana de vida autêntica, pois negavam tanto a ressurreição de Jesus, como a ressurreição dos mortos e o juízo final. Também falavam de libertação, mas não no sentido pretendido por Jesus e Paulo (libertação do domínio do pecado e de satanás), mas de estruturas sociais opressoras, tal como no discurso marxista.
Os gnósticos ainda vivem. Os arminianos, por exemplo, costumam falar em predestinação a la Karl Barth: Deus não predestina ninguém, exceto a Cristo: os que vão a Cristo acabam tendo o mesmo destino que Ele. Assim, são predestinados os que vão a Cristo. Cristo é como um grande barco destinado à glória. Todos os que embarcarem terão esse destino. Muito bonito e muito lógico para as cabecinhas heréticas e desprovidas da cosmovisão bíblica.
A Palavra de Deus é muito clara sobre a doutrina da Predestinação, mas não nos moldes barth-arminianos, em que o homem vai a Jesus para ser predestinado. Verdadeira heresia, pois torna o homem o determinador de sua predestinação e Jesus apenas como mero meio.
A Bíblia claramente nos ensina que um homem vai a Jesus não para ser predestinado, mas porque foi de antemão predestinado: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós” (Jo 15.16); “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.44); “Assim, pois, isto não depende de quem quer, nem de quem corre, mas de Deus usar sua misericórdia” (Rm 9.16). “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). “Porque a promessa vos pertence a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe: a quantos o Senhor nosso Deus chamar” (At 2.39).
É necessário muito cuidado e atenção por parte da Igreja quanto às diferentes conotações que certos grupos emprestam às palavras de uso histórico-teológico. Utilizam-se dos mesmos termos, mas com sentidos diferentes e até antagônicos ao pretendido pela Escritura e a Igreja ao longo dos séculos.
Ultimamente, os que mais cometem esse crime contra o vocabulário histórico-teológico são os grupos neopentecostais, onde a fé deixou de ser um dom de Deus para os eleitos (Ef 2.8; Tt 1.1) e passou a ser entendida como um potencial humano que, aplicado corretamente pelos rituais mágicos, produz mudanças e traz bênçãos à vida do adepto; ou ainda o termo salvação, que perdeu seu sentido de isenção da culpa, do castigo e domínio do pecado, e possui agora um caráter meramente sócio-econômico.
Há muitos outros exemplos, mas a maneira de enfrentar as falácias construídas pelos falsos mestres não é conhecer todas as formas de engano e erro que podem ser por eles produzidas e engendradas, mas, simplesmente, estar firme na Palavra da Verdade. O engano pode ter várias formas e sutilezas – jamais conheceremos todas elas; porém, a verdade sempre será uma só e a mesma – a Doutrina da Palavra (Jo 17.17; 2Co 13.8).
ESPÍRITO SANTO OU ESPÍRITUALISMO?
Quando falamos do caráter místico do Gnosticismo, vislumbramos um amálgama de superstições, esoterismos e espiritualismo. A visão ontológica do gnosticismo pode ser simplificada no mito platônico do dualismo cosmológico, onde duas forças antitéticas se digladiam continuamente – o Bem e o Mal. O homem, segundo tal filosofia, sofre contínua e intensamente a influência dessas duas forças, como uma marionete entre ambas, ora inclinado por uma, ora por outra.
Sob o comando de tais forças, estariam hostes de seres espirituais, cada um regendo uma esfera celestial e exercendo certo grau de poder.
É claro que tal visão tem algo parecido com o cristianismo. Deus, o diabo, o homem, o antagonismo da luz contra as trevas, os seres espirituais, como os anjos e demônios, etc.
Não é à toa que o filósofo alemão Nietzsche, considerado o avô da pós-modernidade, depreciava o cristianismo como Platonismo para gente ignorante.
Ainda que Nietzsche estivesse em parte certo quanto à sua crítica, pois há um certo cristianismo que mantém até hoje o caráter espiritualista gnóstico, o verdadeiro caráter bíblico cristão revela a insensatez do filósofo, bem como a inconsistência do cristianismo que provavelmente conhecera.
A cosmovisão bíblica certamente agrega elementos comuns ao gnosticismo, mas com uma visão completamente distinta. Para início de conversa, os autores bíblicos jamais conceberam tal dualismo cosmológico entre Deus e o mal, ou mesmo satanás. Pelo contrário, a Bíblia apresenta Deus como Criador e Sustentador (mantenedor) de todas as criaturas (Cl 1.16), delas se utilizando e tendo sobre elas total e soberano domínio.
Como dizia Lutero, “o diabo é o diabo de Deus!”. Satanás não está fora do controle e domínio de Deus, pelo contrário, é seu ministro de punição e ira contra as nações e homens (Jó 1,2).
Deus utiliza-se de todas as suas criaturas para executar o seu propósito soberano (Ef 1.11). Assim é que Calvino também se expressou: “O diabo é um leão voraz, mas preso à coleira da soberania de Deus”.
Deus não tem adversários nem inimigos, isto é, quem possa enfrentar seu poder e sua glória: “Vede agora que eu, eu o sou, e não há outro deus além de mim; eu faço morrer e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar da minha mão” (Dt 32.39); “E todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35); “Pois o Senhor dos exércitos o determinou, e quem o invalidará? A sua mão estendida está, e quem a fará voltar atrás?” (Is 14.27).
Esta é a visão da Soberania divina, que está no controle de todas os fatos históricos (2Cr 20.6; 36.23; Is 37.16), acontecimentos desprezíveis (Mt 10.30) e até aparentemente casuais (Pv 16.33), determina o sucesso e o fracasso dos homens e nações (1Sm 2.7), domina os homens e suas vontades (Pv 16.1,9; 20.24; 21.1; Jr 10.23) e vigia até mesmo sobre os passarinhos (Mt 10.29).
Deus dirige e controla o destino de todas as suas criaturas, conforme o propósito soberano de sua vontade, proposto desde a eternidade (Ef.1.11; Sl 115.3). A visão gnóstica de uma batalha entre o bem e o mal foge à visão bíblica do Soberano domínio do Senhor. A Bíblia reconhece a existência do mal, mas o coloca sob o domínio de Deus (Is 45.7). Somente o Deus que tem domínio sobre todas as coisas, inclusive o mal, poderia fazer uma tal promessa: “E sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).
É claro que, fora da proposta bíblica do Domínio Soberano de Deus, a única possibilidade é o dualismo cosmológico (o yin e o yang, o bem e o mal, a sorte e o azar, o acaso e o destino), com seus rituais de purificação e libertação do mal, na busca do bem, através de mandingas, objetos sagrados e consagrados, para aniquilar as forças do mal (encostos, trabalhos, feitiços, inveja, olho gordo, etc.).
Ao perder a correta visão da Soberania de Deus, muitos cristãos do primeiro século foram vítimas das artimanhas do gnosticismo. O mesmo continua hoje, na forma de doutrinas esotéricas que diluem a soberania de Deus na exaltação do poder das criaturas (sejam satanás e os demônios, pelo mal; seja o homem, pelo chamado livre-arbítrio).
Ao ensinarem que Deus não pode fazer nada na vida de uma pessoa sem que a tal permita, ferem a Palavra de Deus e negam o Senhor, que disse: “Eu sou Deus; também de hoje em diante, eu o sou; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; operando eu, quem impedirá?” (Is 43.13).
Assim é que o traço espiritualista do gnosticismo ainda se mantém em círculos pretensamente cristãos, com seus rituais e objetos mágico-abençoados, como copos-d’água, fitinhas e braceletes, imposições de mãos para libertação, corredores de luz e de fogo, jejum das causas impossíveis, óleo consagrado, água do Jordão, pedrinhas do Mar Morto, maldição hereditária, unção da prosperidade, etc. Todas essas coisas e muitas outras doutrinas falsas ganham corpo entre tais grupos, que se consideram cristãos, mas ignoram tão plenamente quanto possível a Palavra de Deus, o que revela o caráter não escriturístico de tais seitas.
A REVELAÇÃO X NOVAS REVELAÇÕES
Também aos Colossenses o apóstolo precisou adverti-los quanto ao perigo espiritualista gnóstico, manifesto na busca por novas revelações e vínculos místicos com os seres espirituais.
Paulo afirma a superioridade, completude e suficiência da obra de Cristo na Igreja quanto ao aperfeiçoamento espiritual, o que dispensa qualquer acréscimo que pudesse haver à Palavra de Deus, mesmo através de novas revelações dadas por anjos ou seres espirituais: “Ninguém atue como árbitro contra vós, afetando humildade ou culto aos anjos, firmando-se em coisas que tenha visto, inchado vãmente pelo seu entendimento carnal” (Cl 2.18).
A idéia de revelações angelicais, epifanias e até mesmo teofanias estava sempre presente na doutrina gnóstica. E isso era um grande atrativo às massas. A igreja sofria e ainda sofre tais atentados contra sua Doutrina certa, segura e infalível (a Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada) a pretexto de novas revelações trazidas por anjos, por espíritos, por visões e revelações: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema. Como antes temos dito, assim agora novamente o digo: Se alguém vos pregar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema” (Gl 1.8,9).
Assim, é que Paulo escreve aos Tessalonicenses: “que não vos movais facilmente do vosso modo de pensar, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola como enviada de nós” (2Ts 2.2). O assunto aqui em pauta era o dia da segunda vida de Jesus ao mundo. Havia muitos enganadores no seio da Igreja predizendo tal momento e seduzindo os crentes a um terror apocalíptico. Mas, para nós aqui, a questão é que Paulo ordena à Igreja não se perturbar de modo algum, mesmo por espírito – havia até mesmo o argumento utilizado pelos falsos mestres de que tais ensinos eram obra de revelação de seres espirituais, talvez até o próprio Espírito Santo. Mas Paulo os rejeita.
Infelizmente a igreja evangélica gnóstica espiritualista permanece ainda hoje. E com grande sucesso e crescimento extraordinário.
O pentecostalismo e o carismatismo romano (que é o pentecostalismo mais diretamente ligado a Roma) são dois exemplos bem claros e simples do caráter gnóstico-espiritualista na igreja evangélica de hoje. Alegam revelações diretas de Deus; dons sobrenaturais como línguas espirituais; líderes que alegam possuir dons maravilhosos como curas e visões; neo-apostolados, em que seus líderes manifestam o mesmo caráter e autoridade dos apóstolos primitivos; apostolado feminino; profetas e profetizas vaticinando particularidades pessoais à vida dos adeptos, etc.
Ao falar sobre o ataque gnóstico-espiritualista à Igreja hoje, isso já seria um livro por si só. Aqui faremos apenas uma rápida análise de tais alegações.
1) Línguas de mistério. Poucas coisas são tão claramente antibíblicas do que tal alegação, a de que o Espírito Santo ainda está concedendo hoje tal capacidade à igreja. Primeiro, existe o caráter de total engano sobre tais línguas. O que houve em Atos 2 é bem claro: os discípulos falaram em línguas inteligíveis às várias nações que se faziam representar em Jerusalém no dia de Pentecostes. O que nada tem a ver com o blá blá blá confuso e ininteligível de certos grupos. Segundo, só podemos analisar o que Paulo está ensinando à igreja de Corinto (1Co 14) quanto ao dom de línguas (idiomas), à luz de Atos 2. Dizemos isso porque o precipitado argumento de “língua dos anjos” para justificar tal prática é um absurdo escriturístico. É evidente que tal dom foi concedido aos apóstolos e à comunidade cristã primitiva a fim de ser canal de entrega da Revelação que hoje temos na forma de Escritura. Mas uma vez tendo cessado tal Revelação, o canal tornou-se desnecessário.
2. Dons de curas e visões. O mesmo que falamos sobre línguas, pode ser dito acerca dos dons de curas e visões. Temos na Palavra de Deus duas categorias de dons: os temporários e os permanentes. Os temporários foram dons concedidos pelo Espírito Santo para confirmar o testemunho dos apóstolos e profetas. Eles prevaleceram na igreja primitiva, mas cessaram assim que a igreja foi estabelecida através do fundamento da doutrina dos apóstolos (Ef 2.20). Os dons permanentes foram concedidos pelo Espírito Santo para a edificação da Igreja. Estes existiam na igreja primitiva e permanecem ainda hoje na igreja em nossos dias. É claro que estamos afirmando uma verdadeira loucura para um carismático. Contudo, há muitos textos na bíblia que assim nos afirmam. Vejamos alguns exemplos. 2Pe 2.1: “Mas houve também entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá falsos mestres, os quais introduzirão encobertamente heresias destruidoras, negando até o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição”. Veja que Pedro não espera falsos profetas (literalmente) entre a igreja hoje, mas falsos mestres. Isso porque entre o povo (ele se refere aos crentes do Antigo Testamento) Deus falava por meio dos profetas, assim era normal o diabo tentar enganá-los através de falsos profetas. Mas agora, na Igreja, os asseclas de Satanás virão na forma de falsos mestres, homens com a tarefa de ensinar e doutrinar, porque o meio determinado por Deus para edificar a igreja neotestamentária será através de pastores-mestres – Ef 4 11; 2Tm 4.2; Tt 1.9.
3. Novos apóstolos. Temos aí uma outra novidade, verdadeira aberração teológica, trazida pelo movimento gnóstico-pentecostal moderno. Já vimos que certos dons cessaram, entre eles está o de apóstolo. Não há mais apóstolos hoje no sentido dos doze e Paulo. Esses homens receberam de Deus a tarefa e o dom para entregarem à Igreja a revelação de Jesus Cristo: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei” (1Co 11.23). Lembremos que a igreja primitiva não possuía a Bíblia como nós a temos hoje, com ambos os Testamentos. Tinham apenas o Antigo Testamento. Assim, a tarefa do Apóstolo era receber a revelação neotestamentária, diretamente do próprio Jesus Cristo e transmiti-la à Igreja. Uma vez que tal revelação foi completada (conf. Gl 1.8,9; Ap 22.18,19), cessou tal ministério. Portanto, todos os que alegam ser ou haver Apóstolo hoje (no sentido neotestamentário), estão negando a Bíblia e traindo a Palavra já revelada. Perguntamos, se o Espírito Santo ainda daria novas revelações à igreja, porque então Ele mesmo nos ordenou nada acrescentar à revelação já outorgada? (Ap. 22.18,19). Ainda mais, se as alegadas revelações desse que hoje se dizem apóstolos são realmente de Deus, por que não acrescentá-las à revelação Bíblica? Se não são de Deus, porque considerá-las então como revelações para a Igreja? O Espírito Santo nos ordenou bem o contrário: reter a Palavra, e não procurar novas revelações (Fl 2.16; Tt 1.9; 2Tm 3.16; 2Pe1;19). Por quase dois mil anos a Igreja Cristã manteve-se firme na fé de que o Apostolado fora concedido aos doze mais Paulo, e que desde a morte dos mesmos, cessara tal ministério, vindo então os pais e pastores-mestres, como Agostinho, por exemplo. Mas a heresia gnóstica trouxe à igreja a perspectiva do Neo-Apostoloado – deturpando assim a Palavra de Deus e a prática da Igreja.
4. Pastorado feminino. A Palavra de Deus é mais clara que água límpida. 1Tm 3.1-13 fala da liderança na Igreja: pastores e diáconos. Interessante notar a abertura para as mulheres quanto ao diaconato (v.8-12, especialmente o verso 11), mas sem tal abertura quanto ao episcopado (pastorado).Também em 1Tm 2.9-15, o Apóstolo Paulo proíbe à mulher o ministério de presbítero (autoridade para liderar ou ensinar doutrina na igreja): “Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio” (v.12), ainda que lhe seja permitido orar (v.9). E enfatiza o mesmo em 1Co 14.34: “as mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja”. Mas, ainda segundo Paulo, é permitido às mulheres orar, proclamar a verdade aos descrentes, bem como ensinar a crianças e a outras mulheres (1Tm 5.16; Tt 2.3,4; At 21.9).É claro que os gnósticos modernos dirão que não apenas nós, mas acusarão o apóstolo Paulo de machismo. E dirão ainda que a Bíblia contém certos preconceitos oriundos de sua cultura original (sitz in leben, background, contexto), refletindo conceitos de sua época.
Bem, não precisamos discutir tais argumentos. Por quê? Por dois motivos: primeiro, que tais argumentos significam descrédito à Bíblia como Palavra de Deus inerrante, infalível, pura e perfeita. E isso só pode ser defendido por alguém que nunca foi salvo.
Em segundo lugar, admitindo tais argumentos, devemos assumi-los não apenas quanto à posição da mulher, mas quanto a tudo mais, inclusive os conceitos expresso na Palavra, por outros e por Paulo, acerca de Jesus, da salvação, do inferno, da cosmovisão bíblica, da própria divindade, etc. A questão é simples: ou aceitamos a Bíblia como totalmente inspirada por Deus (nos seus manuscritos grego e hebraico, pois evidentemente sabemos que há traduções bem ruins em nossa língua, o que infelizmente não é privilégio do português), ou então deixemos bem claro nosso caráter de não-cristãos.
Os que rejeitam a Bíblia, ou a põem sob suspeita, revelam sua impiedade: “Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17); “tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; como faz também em todas as suas epístolas, nelas falando acerca destas coisas, mas quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, como o fazem também com as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2Pe 3.15,16); “E temos ainda mais firme a palavra profética à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça e a estrela da alva surja em vossos corações” (2Pe 1.9). Eles dizem que os tempos mudaram, e que a Igreja precisa modernizar-se para acompanhar a evolução da sociedade. Mas a Palavra de Deus nos adverte acerca da epiderme de tal discurso (Gn 3.1).
LEGALISMO É SINERGISMO
Ao falarmos do caráter legalista do gnosticismo, levamos em consideração principalmente o pensamento herético de que o homem pode, de alguma forma, contribuir para sua salvação.
Assim, o homem torna-se um co-salvador de sua alma e a salvação se dá em parte pelo esforço humano. Jesus fez algo, mas ainda incompleto e não decisivo. É necessária a contribuição do homem, seja pela obediência à Lei (legalismo farisaico dos judaizantes, veja no Cap. 2 – A Igreja Evangélica Judaizante), seja por uma decisão advinda primariamente da criatura (livre-arbítrio), que ensina que é o homem é quem escolha Deus.
Entretanto a Bíblia nos diz claramente que é Deus quem escolhe o homem: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós” (Jo 15.16); “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48); “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.44); “Assim, pois, isto não depende de quem quer, nem de quem corre, mas de Deus usar sua misericórdia” (Rm 9.16).
A questão central do legalismo era que tal pensamento anulava a completude e o alcance da obra de Cristo. A Bíblia nos informa que tal obra é plena e completa, sem necessidade de qualquer acréscimo para atingir seu objetivo: salvar os eleitos. Jesus morreu para salvar sua igreja: “como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, a fim de a santificar, tendo-a purificado com a lavagem da água, pela palavra, para apresentá-la a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5.25b-27), e não o mundo: “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me tens dado, porque são teus” (Jo 17.9).
O Legalismo nada mais é que um sinergismo – uma doutrina estranha e herética que compreende a salvação como tendo dois lados atuantes: Deus e o homem. Assim, Deus não pode salvar o homem sem a cooperação do mesmo. Interessante que Jesus não exclamou na cruz “Pai, eu fiz a minha parte, só espero que eles façam agora a parte deles !”. A Exclamação de Jesus foi bem diferente: “Então Jesus, depois de ter tomado o vinagre, disse: está consumado” (Jo 19.30). Está completado! Tudo o que era necessário fazer para salvar a minha igreja, os meus eleitos, está feito e plenamente acabado! Essa é a doutrina bíblica: um Salvador que completou sua obra plenamente, nada deixando por ser ainda acrescentado (Hb 7.25).
Para os legalistas, Jesus abriu meio caminho para todos até o céu, ficando agora a critério das criaturas completar a outra metade. O que torna a salvação pelas obras, além de isso significar que ninguém está plenamente salvo, pois depende ainda de completar a outra metade. Mas para a Bíblia, Jesus estabeleceu o caminho completo até o céu para os eleitos, e por isso todos os escolhidos de Deus estão eternamente salvos e seguros nas mãos de Deus, pela obra de Jesus “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. (...)E a vontade do que me enviou é esta: Que eu não perca nenhum de todos aqueles que me deu, mas que eu o ressuscite no último dia” (Jo 6.37,39).
O legalismo se oculta atrás de rituais, regras morais, e apelo ao comportamento ético. E nisso se parece com o cristianismo bíblico, que também possui certos rituais (oração, louvor, estudo bíblico, etc.), regras morais (a Lei moral de Deus), e um certo comportamento ético, que chamamos de santificação externa, a obediência à Lei moral.
Contudo, há um verdadeiro abismo entre o um e outro, pois o legalismo propõe essas coisas como meio de salvação: faça isso para ser salvo! Enquanto a Bíblia nos ensina que a salvação é pela graça e não depende das obras o homem (Ef 2.8,9), ainda que o salvo pratique essas coisas por ter sido salvo.
O salvo ora, louva, estuda as Escrituras, testemunha, obedece exteriormente. O salvo pratica essas coisas, mas nem todos que praticam essas coisas são salvos: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mt 7.223).
O grande erro do legalismo é confundir conseqüência com a causa. A obediência é conseqüência da salvação, mas jamais sua causa. A causa é sempre uma só: a graça de Deus em Cristo Jesus: “porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fl 2.13).
Toda forma de sinergismo (salvação pela parceria entre Deus e o homem) é uma forma de legalismo herético, contrário à Bíblia e debaixo do anátema de Deus (Ef 2.8,9; Gl 1.8,9).
A forma bíblica de salvação é monergística – Deus como aquele que faz tudo plena e completamente para a salvação do seu povo: “Ao Senhor pertence a salvação” (Jn 2.9b). O homem nada pode fazer, uma vez que está morto (Ef 2.1) e escravizado ao pecado (Jo 8.34).
O monergismo é a doutrina revelada por Jesus: “Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece plenamente o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece plenamente o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.25-27).
Essa doutrina monergística era também a mesma crida e ensinada pelos apóstolos: “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). Para o sinergismo, uma pessoa crê para ser destinada à vida eterna; mas para Lucas, o escritor dos Atos dos Apóstolos, a ordem era bem simples: creram porque foram destinados à vida eterna! A razão porque creram, é que foram destinados para isso. É incrível como a heresia pelágio-arminiana-sinergística tenta inverter a ordem dos fatores que, nesse caso, altera profunda e completamente o produto. O sinergismo não é cristianismo bíblico. É a velha heresia da serpente, a velha heresia Judaizante, a velha Gnóstica, a velha heresia pelagiana, a velha heresia romanista, a velha heresia arminiana, a velha heresia pseudo-evangélica!
LIBERALISMO É ANTINOMISMO
Quando falamos do caráter liberal do gnosticismo, expomos seu erro quanto ao significado da salvação e da ética cristã na vida do salvo.
O gnosticismo, apesar da aparência cristã em vários aspectos, como temos visto, acabava por negar completamente o evangelho em todas os lados. Possuía um vocabulário evangelicalês, mas tendo concepções e significados muito adversos aos escritores bíblicos.
Por exemplo: falava em seres espirituais e conflito entre luz e trevas, negando, porém, a soberania do Senhor sobre todas as coisas e criaturas. Falava em obediência e boas obras éticas e morais, mas como meio de salvação ou de complementação à salvação, quando a Palavra expõe-nos essas coisas como decorrentes da salvação. Falava de salvação, mas no caráter sinergista – cooperação entre Deus e o homem; mas as Escrituras nos apresentam um caráter monergista – uma obra total e completamente do Espírito Santo de Deus em Cristo Jesus para com os eleitos.
Um outro aspecto onde esse mesmo erro perpetuava-se era quanto à vida prática do adepto: indiferença quanto ao que se fazia com o corpo (matéria), uma vez que a alma (espírito) já estava redimida.
Assim, os adeptos dessa corrente gnóstica sentiam-se livres para cometer qualquer tipo de ato torpe, imoral e pecaminoso. A libertinagem estava assegurada no pretexto espiritualista: Deus se importa é com alma, e não com o corpo, que vai apodrecer debaixo da terra mesmo!
Dessa maneira, além de desprezar o corpo e justificar toda sorte de paixões lascivas, os gnósticos ainda negavam a esperança da ressurreição corporal, o que lançava dúvidas e questionamentos sobre a própria ressurreição de Jesus: “Ora, se se prega que Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, como dizem alguns entre vós que não há ressurreição de mortos? Mas se não há ressurreição de mortos, também Cristo não foi ressuscitado. E, se Cristo não foi ressuscitado, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsas testemunhas de Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não são ressuscitados. Porque, se os mortos não são ressuscitados, também Cristo não foi ressuscitado. E, se Cristo não foi ressuscitado, é vã a vossa fé, e ainda estais nos vossos pecados. Logo, também os que dormiram em Cristo estão perdidos. Se é só para esta vida que esperamos em Cristo, somos de todos os homens os mais dignos de lástima” (1Co 15.12-19).
Mais uma vez vemos o caráter do falso evangelho: ao retirar um único tijolo da doutrina bíblica, acabam por destruir todo o edifício da Fé. Foi o que Paulo percebeu.
Esses mesmos gnósticos permanecem hoje em muitas comunidades que se auto-intitulam cristãs. Ignoram a vida prática dos seus adeptos quanto à disciplina cristã. Tudo que é requerido deles é que freqüentem suas reuniões e colaborem financeiramente com a manutenção de sua estrutura. Quanto à vida particular, seja matrimonial, sexual, financeira, negócios, relacionamentos, impostos, honrar pai e mãe, não cobiçar, falar a verdade, não mentir nem perjurar (a Lei de Deus em seu aspecto moral), isso não é mencionado nem mesmo levado em consideração. Seu lema era: “já está salvo? Então peque à vontade!”.
O mal, para tais grupos, é a pobreza e as dificuldades financeiras e familiares, jamais o pecado e o desprezo à Lei moral de Deus, o que gera a ira de Deus: “Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” (Ef 5.6); “Pois do céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça” (Rm 1.18).
Tal evangelho apresenta uma salvação totalmente desconectada de uma vida de obediência (Jo 3.36), boas obras (Mt 5.16; Ef 2.10) e frutos dignos de arrependimento (Mt 3.8).
Ao confrontar aquele jovem rico (Mc 10.17-22), que estava ansioso pela salvação de sua alma, Jesus não apresentou um evangelho semelhante ao dos evangelistas gnósticos: apenas venha à frente, levante sua mão, faça essa oração comigo, e você estará salvo!
Contrariamente, O Senhor confrontou aquele jovem que possuía todas as qualidades para ser um excelente membro da igreja evangélica gnóstica, conforme o v.17: veio (correu) até Jesus; humilhou-se (ajoelhou-se) perante Jesus; louvou e fez excelente confissão de fé acerca de Jesus (Bom Mestre!); e, finalmente, buscou ao Senhor não por interesses menores e terrenos, como curas, prosperidade, etc., seu desejo era um só: a salvação de sua alma!
Com tudo isso, porém, aquele jovem saiu ainda perdido e rumo ao inferno. Tinha muitas qualidades e até comportamento moral exemplar (v.19,20), mas apenas exteriormente, de maneira meramente religiosa. Faltava uma única coisa àquele moço: a obra do Espírito Santo – nascer de novo (Jo 3.3,7)!
Tal é o falso evangelho dos nossos dias também. Nada de arrependimento, nada de obediência à Lei moral, nada de frutos de justiça, nada de boas-obras. Apenas sentimentos de enlevo durante os louvores, campanhas de prosperidade e curas, modismos gospel e atitude positiva de fé para vencer na vida e tornar-se bem-sucedido social e financeiramente. O inferno estará realmente abarrotado! (Mt 7.13,14).
O caráter do verdadeiro salvo é revelado na santificação. Paulo nos informa que a Eleição (Predestinação) é demonstrada na obediência: “Lembrando-nos sem cessar da vossa obra de fé, do vosso trabalho de amor e da vossa firmeza de esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de nosso Deus e Pai, conhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição” (1Ts 1.3-5).
O Apóstolo revela que só podemos reconhecer o caráter da Eleição onde houver também: a) obra de fé; b) trabalho de amor, c) firmeza de esperança em Jesus Cristo. Fora disso, devemos negar qualquer alegação de Eleição e Predestinação. Qualquer pessoa, em cuja vida, não há tais virtudes, está automaticamente desclassificada da salvação.
Os gnósticos iludiam e enganavam seus adeptos ao lhes dar garantias e certeza de Eleição e, portanto, de salvação, considerando desnecessário as evidências externas de santificação, no que diferem do apóstolo Paulo.
Atentemos, fixamente, na malícia de Satanás e de seu falso evangelho. Primeiro tentam negar o monergismo, a verdadeira doutrina bíblica (salvação somente pela graça, sem cooperação ou contribuição das obras humanas), ensinando a heresia do sinergismo (salvação pela contribuição do homem na atitude e nas obras). Depois, não podendo negar a Doutrina, pois a Palavra é tão clara, tentam então perverter a mesma, ao ensinar o monergismo sem frutos de arrependimento.
Devemos rejeitar tanto o sinergismo (por não existir na Bíblia), quanto o monergismo sem frutos de arrependimento, por ser uma perversão da doutrina bíblica: “Mas agora, libertos do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna” (Rm 6.22); “Mas nós devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos, amados do Senhor, porque (a)Deus vos escolheu desde o princípio (b)para a salvação, c) mediante a santificação do Espírito e a fé na verdade” (2Ts 2.13). a) Desde a eternidade; b) Deus nos escolheu; c) para a salvação; d) pela santificação e fé na verdade (Palavra de Deus). Essa é a maneira correta de falar sobre soteriologia bíblica, isto é, como a Bíblia nos fala de Salvação, revelando as santas doutrinas da Soberania de Deus, Predestinação, Salvação, Santificação e Glorificação, conforme a famosa Cadeia Dourada de Paulo em Romanos 8.29,30: “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou”: Soberania de Deus, Predestinação, Salvação, Santificação e Glorificação.
A Luta do apóstolo Paulo foi enorme e muito acirrada. Havia embates dentro e fora da comunidade cristã. Havia falsos irmãos e obreiros ensinando doutrinas heréticas inspiradas por espíritos enganadores e demônios (1Tm 4.1). Contudo, o apóstolo de Cristo jamais deixou de combater o bom combate da fé (2Tm 4.7), antes, entregou-se de tal maneira à batalha da verdade da Palavra de Deus, que chegou a ser abandonado até mesmo por muitos que se diziam cristãos, mas amavam a paz deste mundo, como o apóstata Demas (2Tm 4.10a), ou então temiam tal comprometimento com o Apóstolo e com a Palavra de Deus, por temerem perder a própria vida (2Tm 4.16).
Porém, foi o Próprio Jesus quem nos advertiu: “Se alguém vier a mim, e não aborrecer a pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda também à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não leva a sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo (...) Assim, pois, todo aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26,27,33).
Talvez ninguém obedeceu a essas palavras do Senhor Jesus de maneira mais profunda do que Paulo. Por isso ele advertiu ao jovem pastor Timóteo: “E também todos os que plenamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” (2Tm 3.12). E pode ainda dizer aos demais cristãos: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (11.1).
Percebemos, assim, que não há outra forma de ser imitador de Paulo (e de Jesus) senão dentro da batalha pela verdade do evangelho travada na igreja e no mundo. “Se alguém ensina alguma doutrina diversa, e não se conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras” (1Tm 6.3,4); “Sofre, pois, comigo, as aflições como bom soldado de Jesus Cristo” (2Tm 2.3). Esta é, sem dúvida, a solicitação do Apóstolo a todo crente fiel.
IV
João contra os Heterodoxos
V
O Credo Apostólico
Algumas pessoas já observaram que o Credo dos Apóstolos (aquele antigo resumo da religião cristã), coloca em último lugar, na ordem das coisas em que se deve crer, “o perdão dos pecados e a vida eterna”; isso significa que antes que cheguemos tão longe, há outras coisas nas quais é necessário crer, e para as quais há grande evidência. (John Owen, Por quem Cristo morreu?, p.64. PES).
Separar e não unir.
Fazer fronteira e não incluir.
VI
Os Pais e os Apologistas – Agostinho contra Pelágio
Ó Deus, pede-me o que quiseres; mas concede-me, primeiro, o que tu me vis pedir! (Agostinho)
Agostinho, a maior figura da igreja desde o apóstolo Paulo.
A idéia de Agostinho da salvação individual fora baseada na graça soberana de um Deus predestinador, e tomou uma forma sistemática na controvérsia contra o pelagianismo.
Por isso é que podemos afirmar que a doutrina pelagiana nega a Queda, concedendo ao homem depois de Adão o mesmo status e capacidade. Agostinho corretamente refutou tal possibilidade em seu famoso quadro antropológico:
Adão antes da Queda Homem após a Queda Crente glorificado
Posse peccare et posse non peccare
(Capaz de pecar e capaz de não pecar) Non posse non peccare
(Incapazes de não pecar) (Non posse peccare
Incapazes de pecar)
Essa incapacidade de o homem, sob a Queda, não poder deixar de pecar, Martinho Lutero a chamou de Escravidão da Vontade, em sua luta contra o humanismo de Erasmo.
VIII
Os Reformadores I – Martinho Lutero contra o Papa
“Deixe Deus ser bom”. (Erasmo a Lutero)
“Deixe Deus ser Deus!” (Lutero a Erasmo)
“Minha mente está cativa à Palavra de Deus. Aqui permaneço, e que Deus me ajude!” (Lutero)
ROMA DEVASTADA POR UM LIVRO
O Papa pode até interpretar a Bíblia, mas de maneira alguma está acima dela! (Aqui Lutero reafirmou a autoridade suprema da Igreja – a Palavra), e afirmou Cristo como o Governante da Igreja atrás da Palavra, negando ao Papa o seu pontificado usurpador. Aqui Lutero afirma sua verdadeira autoridade: a Bíblia!
FORA DA BÍBLIA, NÃO HÁ IGREJA
Lutero queima a bula papal de sua excomunhão – aqui Lutero descaracteriza todo o romanismo e o papismo, ao não reconhecer a autoridade de uma igreja ou de um líder religioso que esteja contrário à Bíblia. Uma igreja ou sistema religioso fora da Palavra de Deus não tem autoridade sobre mim! Aqui Lutero nega qualquer autoridade a tudo e todos que estejam fora da Bíblia!
Lutero com seu pequenino grupo ao redor de uma fogueira, ao relento, entendia-se mais Igreja do que toda a estrutura do vaticano.
Um homem coma Bíblia tem mais autoridade do que toda uma congregação contrária à Palavra!
A TEOLOGIA DA SERPENTE
Livre-arbítrio: crime de lesa-majestade contra Deus.
Somente Deus tem livre-arbítrio: faz o que quer, quando quer, como quer, com quem quer, onde quer, até quando quer, sem ter quer dar qualquer satisfação a que quer que seja!
A Queda e a teoria autonomista – auvtexou,sion (autexoúsion / autexoúsia humana) (poder de exercer a própria vontade); evxousi,a (liberdade moral; domínio, soberania – koinê); evleuqeri,a (estado de homem livre); auvtonomi,a (independência); evx (de dentro para fora; a partir de si mesmo) + ouvsi,a (essência, natureza, substância, ser). Agostinho analisou o pecado como orgulho (superbia), aquela louca paixão de querer ser superior até mesmo a Deus, como um estado de espírito afastado de Deus para uma atitude de auto-absorção (homo incurvatus in se). Assim, o pecado é a imagem do Diabo, pois o orgulho auto-exaltado foi o seu pecado antes que se tornasse o nosso (1Tm 3.6).
Autonomia – ser capaz de fazer suas próprias leis, indicando independência de força ou compulsão externa ou interna; compreender a existência tendo a si mesmo como ponto de referência, como ponto de partida e de sentido. Pressuposto socrático: conhece-te a ti mesmo. Autonomia epistemológica. A Esfinge e Édipo: a única resposta só poderia ser o Homem! O ápice da autonomia é o humanismo ateísta.
Em termos positivos, qual é a essência do pecado? Brincar de Deus. E, como um meio para tanto, recusar-se a permitir que o Criador seja Deus, até onde esteja envolvido aquele que assim agir. A atitude que é a essência do pecado consiste em viver, não para Deus, mas para si mesmo; amar, servir e agradar a si mesmo, sem importar-se com o Criador. Consiste em tentar ser tão independente de Deus quanto possível, colocando-se fora do alcance de sua mão, mantendo-O afastado, conservando as rédeas da vida em suas próprias mãos, agindo como se a própria pessoa e os seus prazeres fossem a finalidade para a qual as demais coisas, incluindo Deus, existissem. O pecado é a exaltação de si mesmo contra o Criador, evitando prestar a homenagem que Lhe é devida, e pondo-se no lugar dEle como o padrão final de referência, em todas as decisões da vida. (...) todos esses elementos estavam embrionariamente contidos no primeiro pecado humano, que consistiu em entregar-se à tentação de ser ‘como Deus' (Gn 3.5). Paulo nos mostra que o pecado começou quando os homens, ‘tendo conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças’ (Rm 1.21). Ele mesmo nos oferece a mais precisa análise do espírito do pecado contida na Bíblia, ao dizer que ‘o pendor da carne [a mente e o coração do pecador não regenerado] é inimizade contra Deus’ (Rm 8.7) – descontentamento para com o seu governo, ressentimento contra as suas reivindicações e hostilidade para com a sua Palavra; tudo expresso por meio da determinação fixa e inalterável de seguir a sua própria independência, em desafio ao Criador. O substantivo abstrato ‘inimizade’, intensifica a idéia, como se Paulo houvesse dito ‘essência da inimizade’, ou então ‘inimizade pura’. 1
A Serpente seduziu o homem a pecar. E no pecado, o Diabo e o homem se identificam e se encontram. Lúcifer rejeitou o domínio de Deus e quis ser como Ele; da mesma forma Adão e Eva (sereis como Deus ou deuses). E, como pudemos ver, Pecado é autexoúsia, isto é, o homem contra Deus. Poderíamos, então, expressar tais coisas com os conceitos autodeificação ou autodeterminação, afronta e desafio contra o Criador. A autoridade de Deus desafiada e ignorada pelas suas criaturas. Desafiar o que Deus determinou: “certamente não morrereis”, quando Deus dissera abertamente: “certamente morrereis” (Gn 2.15; 3.4). Assim, Pecado poderia ser definido dentro das seguintes acepções: ingratidão (avcaristi,a); incredulidade (avpisti,a) – Agostinho e Tillich; Agostinho e Bultmann – arrogânia / orgulho (superbia; kauvchma); Inveja (quero ser como Deus; quero ser Deus!; Concupiscência (vontade de poder) – Pais / Nietzsche: autoelevação do homem que se põe a si mesmo como centro do mundo (u[brij): Tillich. Contudo, está intrínseco e potencializado na autonomia (auvtonomi,a / auvtexou,sion) – McGrego Wright.
Conforme o comentário da Bíblia de Genebra, acerca da Queda, “aparentemente, a questão era se Adão aceitaria Deus determinar o que era bom e mal ou se procuraria isso por si mesmo [autonomia ética], independentemente do que Deus lhe tinha dito”. Assim temos expresso no pecado de Adão “uma disposição mental que se opõe a Deus e se engrandece a si mesmo. [Essa atitude] tornou-se parte dele e da natureza moral que ele transmitiu aos seus descendentes (Gn 6.5; Rm 3.9-20)”.2
Podemos, então, concluir, como mostra o Professor Allan Myatt, a partir da análise da autonomia humana como uma base comum entre o cristianismo arminiano e sua apologética e as seitas, revelando-se aquele ineficaz para um confronto contra estas:
“Porém, muitas apologéticas tradicionais têm em comum uma suposição importante e básica das seitas, isto é, a autonomia metafísica dos seres humanos. Essa suposição é expressa na doutrina arminiana do livre-arbítrio (o arbítrio como causa não-causada) ao invés da doutrina reformada da livra-agência (o arbítrio como livre para agir de acordo com o seu caráter e as leis de causalidade, mas criado e, no final das contas, controlado por Deus). (...) A apologética arminiana é limitada na sua capacidade de responder aos desafios levantados pelas cosmovisões das seitas. (...) As limitações impostas à soberania de Deus pela noção mórmon de livre-arbítrio o tornam um ser finito rodeado por um ambiente de mistério e caos, que coloca todo o universo num nevoeiro em que ele mesmo não pode penetrar. Um Deus como esse não pode garantir, no final das contas, que o seu plano prevalecerá contra o mal, nem pode garantir que os seus próprios planos sejam objetivamente bons. (...) Somente a noção bíblico-reformada do Deus trino que controla tudo o que ocorre pode solucionar esses problemas e proporcionar segurança de salvação e vitória final ao crente.” 3
ERASMO – O TEÓLOGO DO LIVRE-ARBÍTRIO
(Material retirado da Introdução à obra, Da Vontade Cativa, de Martinho Lutero, feita por Martin N. Dreher).
A fim de combater o que ele considerava excessos do movimento luterano (e para desmentir os falatórios de que estaria envolvido com Lutero, o Reformador) Erasmo de Roterdã, o humanista, atacou um dos pontos conflitantes entre a Teologia Católica Romana e a Teologia do reformador de Wittenberg. Em sua obra Diatribe sobre o livre-arbítrio, publicada em setembro de 1524, Erasmo posicionou-se abertamente contra uma afirmação central da teologia de Lutero: sua antropologia.1 Erasmo apelava aos Pais da Igreja. Melanchthon, colaborador de Lutero, mostrou que mesmo os Pais da Igreja inúmeras vezes posicionaram-se em desacordo com a doutrina apostólica, entre eles, Orígenes, Ambrósio e Jerônimo.
Além disso, acusava-se o fato de Erasmo haver inserido sua doutrina do livre-arbítrio em sua paráfrase a romanos, especialmente no capítulo 9 da carta de Paulo. Sua seriedade como exegeta estava em jogo. Em 1532, Erasmo alteraria essa passagem de suas paráfrases. Já em 1523, Erasmo acusa Lutero de ser adepto de Wyclif com sua antropologia. Em fevereiro de 1524, Erasmo declara ao cardeal Campeggio estar preparando um escrito contra Lutero, acatando solicitação de Henrique VIII. Este escrito tratava do livre-arbítrio. Mesmo sendo Erasmo o mais famoso sábio europeu da época, Lutero mostra-lhe suas limitações. Erasmo, por sua vez, alega que já os Pais da Igreja divergem na questão do livre-arbítrio, e faz a contestação vaga de que “há algum poder do livre-arbítrio”.
Fundamental é a questão: “Qual o critério da verdade?” Lutero reconhece apenas a autoridade da Bíblia. Erasmo aponta, além dela, para a autoridade da tradição interpretativa da Igreja, encontrada em santos, mártires e concílios. Estes defenderam a liberdade da vontade humana. Aqui, biblicismo e tradicionalismo se confrontam.
Erasmo define livre-arbítrio como “a potência, através da qual o ser humano se pode inclinar ou afastar ao / do que leva à salvação eterna.” Para Erasmo, caso não tivesse livre-arbítrio, o ser humano não poderia ser responsabilizado pelo pecado. Erasmo discute com Agostinho e Lutero. Agostinho afirma que o ser humano para nada é capaz, a não ser para pecar. Lutero afirma que o livre-arbítrio é mera fórmula.
Apoiando-se em John Fisher, Erasmo nega que, sem a graça, o ser humano seja totalmente pecador. Ao concluir o escrito, Erasmo mostra que quer manter a graça como impulso inicial necessário para a salvação, mas deixa o livre-arbítrio cooperar com a graça. Caso assim não fosse, Deus seria responsável também pelo mal.
O escrito de Erasmo é uma busca por conciliação. Pede que Lutero restrinja sua doutrina da graça e seu conceito da pecaminosidade do ser humano. Pouco depois da publicação da Diatribe, Erasmo iniciaria toda uma correspondência, na qual se pode notar que ele próprio não estava tão seguro acerca do que escrevera. O escrito pretendia mais defender sua imagem, acusada de ser luteranizante, do que trazer uma opinião teológica final.
As primeiras reações de Lutero aparecem no prefácio à tradução do Eclesiastes, na sua opinião um escrito contra o livre-arbítrio. Em pregação de nove de outubro de 1524, descreve a impotência do ser humano aprisionado pelo diabo: “Tu és cavalo, o diabo te cavalga.” Só Cristo pode libertar do poder do diabo. Em carta a Espalatino, de 1º de novembro de 1524, confessa que, enojado, não conseguira ler mais que duas páginas do livro de Erasmo. Seria difícil responder a tão indouto livro de douto autor. Lutero sabe, porém, que não poderá esquivar-se da resposta. Amigos instam-no para tanto. É a pedido de Catarina [sua esposa] que vai, finalmente, elaborar a resposta a Erasmo. O texto é publicado em 31 de dezembro de 1525. O título do escrito “De serve arbítrio” [termo] com o qual busca expressar o extremo oposto de Erasmo, é tomado de Agostinho. Seu esquema segue o esquema proposto por Erasmo. No seu todo, o escrito é documento que expressa com toda a profundidade o contraste existente entre Reforma e Humanismo.
Como Erasmo pretendeu produzir escrito teológico, Lutero se lança com todo o vigor à discussão. Mostra-se indignado pelo fato de Erasmo tratar de questões da fé, nas quais tudo depende da certeza, de assertivas precisas, com ambigüidade e ceticismo, com a convicção de que em questões de fé haja um meio-termo. A fé não pode ser submetida a conveniências, senão estará sendo equiparada a uma ideologia. De nenhum modo o ser humano pode arrogar-se o direito de decidir a respeito da hora adequada para a confissão da fé e para a pregação. Essa decisão Deus reservou para si próprio; sua palavra não admite ser amarrada. Por sobre o livre-arbítrio humano, cuja capacidade em questões externas não é contestada por Lutero, encontra-se a vontade soberana de Deus, única base e norma dele próprio. Por isso, o ser humano não é livre, mas campo de batalha, área de disputa entre Deus e o diabo; só quando a vontade está cativa por Deus há certeza da salvação. A condenação final de Erasmo, da parte de Lutero, é feita com as palavras iniciais do livro. As formulações são cortantes, têm tom de juízo final e caracterizam a diversidade dos pressupostos de ambos. Do lado de Erasmo há suma inteligência que, no entanto, foge de toda a decisão. Do lado de Lutero há a verdade insofismável do Deus santo e maravilhoso, pelo qual a razão e a vontade se deixam cativar em obediência e humildade.
Erasmo buscou responder ao ataque fulminante de Lutero, mas não obteve mais resposta. Ao contrário, as colocações de Lutero em relação a Erasmo foram cada vez mais contundentes. Erasmo nada mais era que casca sem noz, sapo coaxante, enguia que não se pode pegar e que utiliza seus conhecimentos para o mal. Nada sabe acerca do perdão dos pecados e é um pagão crente no destino, zomba de Cristo, de quem é o maior adversário. É Judas, cuja vida que desconhece a tentação encontra morte sem penitência.
“Como podemos amar a Deus, se o impulso que vem do mais profundo de nosso ser é inimizade contra Ele? Para nós, isso é simplesmente impossível. (...) Em vista disso, nossa vontade é livre? A resposta mais simples e direta é que nossa vontade é livre no sentido que temos a capacidade de fazer aquilo que queremos, no campo das ações morais; mas nós mesmos, como descendentes de Adão, somos escravos do pecado (Jo 8.34; 6.44; Rm 3.9; 6.16-23). (...) A tragédia do homem jaz precisamente no fato que a sua vontade é livre, que ele tem o poder de fazer aquilo que quer e escolhe fazer; mas aquilo que ele quer e escolhe é sempre, de alguma forma, para a autoglorificação, e, portanto, é pecaminoso e ímpio, resultando que tudo quanto o homem faz serve para aumentar a sua condenação”. (J. I. Packer).
LIVRE-ARBÍTRIO – O HOMEM COMO DEUS!
Sereis como Deus (ou deuses) (pegar texto no Orkut – Batistas Reformados DF).
O futuro está aberto, o acaso, o indeterminismo; a própria criatura determinará seu destino; somos deuses de nós mesmos; nosso destino em nossas mãos.
O futuro aberto e casual da serpente – A partir da década de 60, surgiu e propagou-se uma mentalidade teológica variante conhecida como Teologia do Processo, defendida inclusive por alguns teólogos batistas, entre os quais Clark Pinnock e John Sanders (os quais alegam sustentar uma variante dessa teologia autonomenclaturada “free will theism” – teísmo do livre arbítrio). Sustentam que Deus não é soberano e nem mesmo tem conhecimento pleno e perfeito do futuro. Concluindo, portanto, que o futuro é uma possibilidade aberta a construir-se a si mesmo – ou pelo menos a ser construído por aqueles que o vivenciam.
Assim, a cosmologia autônoma manifesta-se em toda a estrutura daquele a quem por ela foi afetada.
Para Agostinho, liberdade é amar a Deus e seus caminhos tão profundamente que a própria experiência de escolha é transcendida. O ideal da liberdade não é o desejo autônomo balanceado com o equilíbrio soberano entre o bem e o mal. O ideal da liberdade é o cristão perceber espiritualmente a beleza de Deus e estar tão completamente envolto no amor a Deus a ponto de nunca se ver tentado a encontrar algum equilíbrio entre Deus e uma escolha alternativa. (...) Na visão de Agostinho, a experiência cônscia de precisar contemplar escolhas era um sinal, não de liberdade da vontade, mas da desintegração do querer. A luta pela escolha é um mal necessário neste mundo decaído até o dia em que o discernimento e o deleite se unem numa perfeita compreensão do que infinitamente deleitável, ou seja, Deus. (Piper, John. O legado da alegria soberana. Shedd publicações; São Paulo: 2005; pp. 62,63).
Conforme, RC Sproul afirmou: hoje a igreja está, em grande medida, no cativeiro pelagiano. (Piper, John. O legado da alegria soberana. Shedd publicações; São Paulo: 2005; pp. 62,63). p. 56.
AUTONOMIA COSMOLÓGICA E O POLITEÍSMO
Em última análise, autonomia cosmológica pressuposto inerente ao livre-arbítrio, sustentaria uma cosmovisão politeísta, onde cada ente governaria a si mesmo, independentemente de um poder controlador externo. Ou seja: na prática, Deus não poderia jamais interferir na vida de alguém sem que a tal pessoa lhe desse permissão. O Criador, assim, estaria limitado pela criatura. E é exatamente isso o que a doutrina do livre-arbítrio sustenta – uma independência completa da criatura, em detrimento do Criador e de suas pretensas “limitações”.
Assim, cada ser humano seria um deus. E Deus, nada mais que um angustiado observador dos rumos tomados por suas criaturas e das conseqüências resultantes do livre-arbítrio de tais semideuses, torcendo e roendo as unhas para que tais deuses façam, afinal de contas, a coisa certa. Como diria um certo professor que tive no Seminário Teológico, ao dar vazão à sua angústia e heresia arminiana: “Permita Deus que, entre erros e acertos, nós cheguemos lá!” Da mesma forma, essa frase estaria não apenas nos lábios de um herege, mas na boca do próprio Deus.
Seria também como se o próprio Deus exclamasse ao ver descobrir a Queda do homem: “Ai, meu Deus! E agora?”. É assim que a teologia autonomista imagina Deus.
Não é difícil perceber como tal cosmovisão do pressuposto livre arbítrio é revelada magistralmente nas áreas da existência humana: ontologia (o ser e suas relações); epistemologia (a teoria do conhecimento); Ética (moral e pressupostos); e Teleologia (a finalidade ou propósito). Vejamos em cada uma dessas áreas como o livre-arbítrio concederia tal possibilidade ao homem: assentar-se no trono de Deus!
Ontológica – Independência de qualquer ser fora de si mesmo. Liberdade de um controle ontológico externo; liberdade da ingerência de um Ser superior – pressuposto primário de onipotência e onipresença;
Epistemológica – Capacidade de compreender e interpretar o universo a partir de si mesmo, e tendo a si mesmo como ponto final de referência – pressuposto primário de onisciência! Que, por sua vez, apresenta-se como um pressuposto básico de onipresença;
Ética ou moral – Capacidade de fazer julgamentos morais a partir de um senso interior próprio do certo e errado (bem e mal; verdadeiro e falso, etc.); capacidade de suprir (e justificar) os próprios padrões: pressuposto primário de onipotência e Onisciência;
Teleológica – Capacidade de determinar o seu próprio destino por suas próprias decisões e de estabelecer e alcançar plenamente e com total sucesso e alcance seus próprios alvos: pressuposto primário de onipotência.
Assim, autonomia (livre-arbítrio) é algo que só pode ser tido por um ser com estes atributos: onipotência, onipresença e onisciência. E o único que os possui é Deus. A terrível notícia é que só existe um Deus. E não sou eu e nem é você. Deus é outro além de nós! A serpente nos enganou!
Portanto, esta seria a exata definição autônoma do Livre-arbítrio: “eu posso dirigir minha vida pelas minhas próprias escolhas sem interferência externa e muito obrigado”!
A vontade não é moralmente neutra. Ela apenas livremente age ao dar expressão ao caráter ou natureza interior (Mt 7.18,19 – ouv du,natai). A vontade não age contra a sua própria natureza (e.g., amar a Deus: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz). A Bíblia fala da escravidão da vontade ao pecado (Jo 8). Somente a regeneração pode nos libertar (Jo 8.32). A vontade tem suas raízes na causação moral, a fim de expressar o caráter: conhecendo-se o caráter, revelam-se os motivos.
Dilema não-cristão da autonomia humanista
Fatalismo pagão Libertarismo pagão
Estoicismo Epicurismo
Determinismo racionalista Indeterminismo irracionalista
Destino Acaso
Quando lemos o Gênesis (2.17; 3.13), vemos claramente a orientação de Deus quanto àquilo que Ele mesmo já determinara de antemão como resultado da escolha do homem: certamente morrerás. Contudo, vemos ainda, da maneira mais clara e aberta possível, a serpente negando o determinismo teológico, ao tentar contradizer a Deus: certamente não morrereis. Deus já determinara o futuro, mas a serpente passa a idéia de que nem mesmo Deus está muito certo acerca do futuro, pois o futuro seria uma (ou várias) possibilidade (s) aberta (s), num fluxo inesgotável e incerto, a ser ainda direcionado pela criatura. A serpente, de uma atacada só, negava a Soberania, a Onisciência e a Onipotência divinas, e o caráter verdadeiro e já definido da palavra de Deus. A primeira tacada da serpente volta-se para o lado do Indeterminismo Irracionalista. Só mais tarde, com o desenvolvimento da História, essa teologia ofídica cruzará a sua própria fronteira e buscará manter a mesma negação desses atributos divinos, baseando-se agora no Determinismo Racionalista, cumprindo assim, a cada dia na história da rebelião humana, o antigo dito de Lutero: O homem sem Deus é qual pêndulo de um relógio: vai de um extremo a outro sem nunca se firmar.
Ao percebermos o Indeterminismo Irracionalista como o primeiro tópico da teologia da serpente, podemos, então, dizer que aí, nesse Indeterminismo Irracionalista (II) temos as duas presas da serpente cravadas, pela primeira e decisiva vez, na humanidade. A partir daí, foi apenas manipular o homem a seu bel-prazer (como a um cavalo, segundo Lutero), ora inclinando-o para um lado (acaso e sorte), ora para outro (destino cego e impessoal), uma vez que o ser humano, sem a luz da Revelação de Deus (em Sua Palavra e Seu Espírito) está completamente cego e privado de verdadeiro entendimento espiritual, perambulando pelas densas trevas, morto em pecados, ignorante acerca de Deus, sem esperança e sem Deus no mundo, sendo Cristo Jesus, pela graça de Deus, o único capaz de quebrar esse domínio de Satanás sobre o homem.
A SOBERANIA DE DEUS
A soberania de Deus é a doutrina teológica que entende, a partir das Escrituras Sagradas, que tudo o que existe e acontece está debaixo do Governo, Controle e Conhecimento de Deus. Nada pode acontecer sem que tenha sido permitido, controlado e ordenado por Deus, segundo seu Eterno propósito.
Mas surgem perguntas quanto a essa doutrina: será mesmo que Deus controla todas as coisas? Alguns pensam que Deus controla grandes acontecimentos, mas que as minúcias, as pequenas questões sem muito valor, sejam deixadas e entregues a si mesmas. Será? Outros já defendem o contrário: Deus controlaria, segundo estes, pequenas coisas sem maior importância, mas as coisas decisivas e determinantes ficariam por conta do livre-arbítrio do homem. Será também? Lembremos que grandes acontecimentos são também resultado de pequenos detalhes e pequenos detalhes estão ligados a grandes acontecimentos. Não existem fatos isolados no universo que Deus criou.
Teríamos, então, três proposições:
a) Deus não controla coisa alguma;
b) Deus controla algumas coisas;
c) Deus controla todas as coisas.
Todos os cristãos repelem a primeira proposição decididamente. O problema está entre as proposições b e c. Para os que defendem a proposição b, surge um abismo: quais seriam as coisas que Deus controlaria e quais as que Ele não controlaria? E ainda assim, o controle de Deus estaria ameaçado e fracassado, pois quem não tem controle sobre tudo, não pode garantir nada. Algo vindo de fora poderia atrapalhar tudo. Essa não é a visão das Escrituras.
As Escrituras nos ensinam que Deus governa todo o Universo e que Ele Governa também cada átomo e cada detalhe do que acontece no universo que Ele mesmo Criou.
a) Uma visita em determinada ocasião – 2Cr 22.7,8;
b) O endurecimento do coração de um homem – Ex 4.21; 7.3;14.4,17; 2Cr 25.20;
c) o arrependimento – Rm 2.4; 2Co 7.10; 2Tm 2.25; Hb 12.17;
d) Uma inexperiente atitude de um rei, causando uma divisão entre o povo – 1Re 12.21-24;
e) As decisões e governo do líder de uma nação – Pv 21.1;
f) Deus tem um propósito para tudo, até para aquilo que não compreendemos – Pv. 16.4;
g) O propósito de Deus é que prevalece – Is 46.9,10; Ef 1.11;
h) Afinal, quem decide o quê? Pv 16.9; 19.21; Jr 10.23;
i) Uma nação poderosa e seus grandes feitos – Is 9.5-15; 37.26;
j) Todo poder vem de Deus – 2Cr 20.6; 1 Sm 2.6,7; Sl 75.7; Jó 19.11;
k) Uma flecha atirada a esmo no meio de uma multidão – 2Cr 18.33,34;
l) O resultado de um lançamento de dados – Pv 16.33;
m) O número de fios de cabelo de uma pessoa – Mt 10.30;
n) A captura e a vida de um passarinho – Lc 12.6. Mt 10.29;
o) Deus fez a cada um e a todos nós como quis – fisicamente: Ex 4.10,11; Jô 9.1-3; socialmente – Jó 34.19; Pv 14.31; 17.5; 22.2; 29.13; 1Sm 2.7; 1Co 4.7;
p) Deus fez cada nação como quis, no tempo e no espaço – At 17.24-26;
q) Até mesmo o diabo e os demônios estão limitados, controlados e debaixo da Soberana vontade de Deus – Jo 1.12; 2.6; Mt 8.31,32; Mc 5.12;
ONTOLOGIA DO CRIADOR
O Ser Determinante, por ninguém determinado.
A História é a concretização no tempo daquilo que Deus determinou desde a eternidade.
Quem governa o mundo?
Testemunha de Jeová: Satanás!
Arminianismo: Os homens!
Bíblia: Deus!
A Soberania desprezada e ignorada, mas jamais anulada
Ex 3.14,15 – Eu sou o que sou! – Diga a eles, aquele que simplesmente e absolutamente é mandou-me. Diga a eles que o fator essencial a meu respeito é que Eu sou! O absoluto da existência de Deus encanta a mente – Ele nunca teve começo, nunca terá fim, nunca foi formado, nunca precisa melhorar, sempre esteve aí, simples e absolutamente, para que nos relacionemos com ele nos termos dele ou então, não nos relacionemos de forma alguma. Deus – o Deus que lhe sustenta em existência neste momento – nunca teve um começo. (...) E aquele que nunca teve um começo, mas sempre foi e é e será, define todas as coisas. Querendo ou não, Ele está lá! Não somos nós que negociamos o que é a realidade. Deus define a realidade. Quando viemos à existência, ficamos perante um Deus que nos fez e nos possui. Não temos escolha nessa questão. Não decidimos ser. E quando somos, não escolhemos que Deus seja. Nem fúria nem violência, nem dúvidas sofisticadas ou ceticismo, tem qualquer efeito sobre a existência de Deus. Ele simplesmente e absolutamente é. Diga a eles, Eu sou me enviou! Se não gostamos, podemos mudar, para nossa alegria, ou podemos resistir, para nossa destruição. Mas uma coisa permanece absolutamente incontestável. Deus é. Ele estava lá antes de nós chegarmos. Ele estará lá quando formos. E, portanto, o que é mais importante no ministério [e na vida], acima de todas as coisas, é esse Deus. Não podemos escapar à simples e óbvia verdade de que Deus deve ser o objeto principal no ministério [e na vida]. O ministério está ligado a Deus porque a vida está ligada a Deus, e a vida está ligada a Deus porque todo o universo está ligado a Deus, e o universo está ligado a Deus porque cada átomo e cada emoção e cada alma de cada ser angélico, demoníaco e humano pertence a Deus, que absolutamente é. Por que Ele criou tudo o que é, Ele sustenta tudo na existência, Ele dirige o curso de todos os eventos? Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! (Rm 11.36). É este Deus, majestoso e santo no seu ser que tem desaparecido do mundo evangélico moderno. De repente, vi que alguém poderia usar a linguagem costumeira da cristandade evangélica e ainda assim o centro de tudo ser o eu, a minha necessidade de salvação. E Deus ser simplesmente o auxílio para tal (...) também vi que grande parte da cristandade evangélica pode facilmente errar, que pode tornar-se centralizada no eu e na sua necessidade de salvação e não na glória de Deus. E como temos errado! Onde estão as igrejas, hoje, nas quais a experiência predominante é o preciso peso da glória de Deus? (Piper, John. O legado da alegria soberana. Shedd publicações. pp. 124-6).
XI
A Reação Heterodoxa – O Arminianismo e a Remonstrance
A Eleição é o propósito imutável de Deus, mediante o qual, antes da fundação do mundo e por pura graça, escolheu dentre toda a raça humana (...) a certo número de pessoas a serem redimidas em Cristo.
(Sínodo de Dort)
A PRIMEIRA GUERRA CIVIL REFORMADA
O século XVI fora marcado pela intensa luta dos reformadores contra o falso cristianismo de Roma. Aqueles homens, inspirados pela Palavra de Deus e cheios do Espírito Santo desafiaram o Anticristo e ousaram confrontar a prostituta assentada sobra a besta.Foi uma grande luta. Muitos tombaram: queimados, afogados, presos, torturados, expatriados; bíblias foram queimadas; locais de estudo bíblico incendiados; famílias separadas. Afrontar o papa era afrontar o rei; desafiar Roma era desafiar o mundo. E eles, com a coragem que só a Palavra de Deus concede, o fizeram.
A luta foi grande. A vitória maior! Depois de décadas de perseguições e martírios, a fé protestante impô-se e teve de ser reconhecida. A igreja reformada começou a estabelecer-se por toda a Europa. Parecia que tinha acabado tudo bem. Mas a história não é bem assim.
Mas a igreja reformada conquistou seu espaço para existir na sociedade, e impô-se à Roma e ao Estado, eis que surge uma nova batalha, como a de Jerusalém: no seio da própria igreja, entre seus próprios adeptos.
Inicialmente, a jovem igreja ainda discutia certos elementos da doutrina entre suas várias facções. Tendo confrontado o falso cristianismo acerca da Autoridade Maior da Igreja, a Bíblia; a Salvação e a Antropologia; havia, porém, ainda o problema do governo da Igreja, da Celebração da Ceia, e outros focos que geraram demandas entre os próprios herdeiros da reforma.
E além do mais, havia a forte resistência de Roma no movimento da Contra-Reforma, além dos muitos grupos paralelos à doutrina bíblica, sustentado heresias e perturbando a caminhada da igreja nascente.
Numa dessas frentes, a igreja se viu atacada por teólogos humanista ligados a Roma, que tentavam recuperar o que fora perdido para os reformadores. Na tentativa de confrontar tais teólogos, a igreja reformada se viu num ambiente ainda pior, pois a perversão doutrinária não estava apenas do lado de fora de seus muros, mas – infelizmente – lá dentro também.
Para confrontar os heréticos externos, fora chamado um erudito e teólogo, discípulo de Teodoro Beza, o sucessor de Calvino. Quem poderia imaginar que do próprio coração da liderança reformada viesse um tal desafio? Mas foi exatamente o que aconteceu.
JACÓ ARMÍNIO – O ANTI-REFORMADOR
Diante da tentativa heterodoxa de fazer reviver suas teses antibíblicas, a Igreja Reformada precisou deixar o campo externo e novamente concentrar-se em seus próprios filhos, pois nem todos possuíam a genética dos verdadeiramente salvos – a fidelidade à doutrina bíblica.
Mal a Igreja começara a se estruturar e a exercer sua tradição teológica solidamente fundamentada na Escritura, após um século de combate contra Roma (sinergistas papistas), houve um terrível levante contra a Fé e a Igreja, levante esse nascido em seu próprio seio. O que nos revela mais uma vez que a verdadeira luta da Igreja pela Verdade do Evangelho permanece dentro da mesma.
Assim, a palavra de despedida do Apóstolo Paulo junto aos bispos éfesios cumpriu-se outra vez na história da Igreja: “Eu sei que depois da minha partida entrarão no meio de vós lobos cruéis que não pouparão rebanho, e que dentre vós mesmos se levantarão homens, falando coisas perversas para atrair os discípulos após si” (At 20.29,30).
Entre os próprios filhos da Fé e da Igreja começaram rumores de insatisfação e não-submissão à Doutrina. Se os Reformadores se levantaram insatisfeitos e dispostos a lutar contra Roma pela Palavra, agora estes anti-reformadores postam-se contra a Palavra em direção a Roma, numa aproximação perigosa e antibíblica.
Se Lutero, o Doutor e Monge de Roma, foi o grande descobridor da Bíblia e reformador da Igreja na luta contra a doutrina romana, Jacó Armínio foi o Teólogo e Mestre na negação da Doutrina bíblica em favor do antropocentrismo soteriológico que já prevalecia em Roma.
QUARENTA E CINCO PASTORES CONTRA A BÍBLIA
Infectados por esse espírito insatisfeito com a doutrina revelada na Palavra de Deus, e desprezando a luta sangrenta e sofredora de várias gerações pela causa da Fé e da Verdade, aqueles homens, quarenta e cinco ministros – até então considerados cristãos e membros da Igreja – revelaram seu caráter sombrio e apóstata, conforme predito pelo Apóstolo Paulo: “Mas o Espírito expressamente diz que em tempos posteriores alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios” (1Tm 4.1).
Mais uma vez a Igreja estava sendo desafiada em sua Fé de acordo com o padrão da Escritura. O que fazer? Como uma Igreja em séculos de lutas e oposições contra Roma, o Anticristo e até mesmo impérios iria posicionar-se agora?
Essa era a Igreja Reformada Holandesa à época da Remonstrance. E agora, para piorar a situação, surge um grupo, liderado por um Teólogo e Mestre da igreja, opondo-se àquilo que era na verdade o próprio coração dessa Igreja – a Doutrina soteriológica bíblica conhecida primeira e vulgarmente como Reformada, e depois como Calvinista.
A FÊNIX DA HETERODOXIA
Jacó Armínio (1560-1609) foi ordenado em 1588, tendo sido professor na Universidade de Leyden, Genebra. Era um distinto pastor, cuja formação teológica havia sido profundamente calvinista. Tendo ocupado um púlpito na cidade de Amsterdã, na Holanda, logo sua fama se espalhou como pregador e mestre.
Nesse ínterim, surgiu um homem chamado Dirck Koornhert, pregador e professor, que, escandalizado com a doutrina da Eleição / Predestinação nos moldes da teologia calvinista-reformada, passou a atacar tal teologia e negar tais doutrinas.
A liderança da igreja de Amsterdã, vendo-se em tal conflito e oposição, solicitou ajuda do teólogo e pastor Jacó (ou James) Armínio, a fim de que refutasse as opiniões do teólogo Koornhert.
Encarregado de al missão, Armínio dedicou-se a estudar os pontos de vista do opositor e compará-los às Escrituras e à teologia dos principais teólogos da história da igreja.
Afinal, depois de intensos conflitos e lutas pessoais, Armínio concluiu que seu oponente estava com a razão.
Conta-nos a história que em 1603, após tornar-se professor titular de teologia em Leyden, Genebra, as opiniões de Armínio foram então reveladas, o que gerou graves confrontos com outros docentes de formação calvinista, especialmente um colega de nome Francisco Gomaro. E assim, Armínio, filho do calvinismo, deu nome à doutrina que, a partir daí, seria vista como a antítese do calvinismo, o arminianismo.
É claro que Armínio não negava a Predestinação. Ele próprio lera a palavra que aparece em seus cognatos pelo menos quatro vezes na Bíblia (Rm 8.29,30; Ef 1.5,11). Evidentemente nenhum leitor da Bíblia poderá negar tais palavras. E os que o fazem, é óbvio, revelam sua própria ignorância e desconhecimento da Escritura. Para ambos, Armínio e Gomaro, as Escrituras falavam claramente de Predestinação. O ponto em questão era a base dessa predestinação.
Para Armínio, Deus predestinou os que Ele sabia que iriam crer. Ou seja, a fé seria a base da predestinação. Citaremos apenas um único texto da Bíblia que já revela a contradição do pensamento teológico de Armínio. “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).
Para Armínio, a fé precede a Predestinação (o que é chamado de “o decreto aberto da predestinação”): creia para ser predestinado, seria o lema dos arminianos; contudo, o autor dos Atos revela outra teologia: crê aquele que foi predestinado. Para Lucas (e o Espírito Santo que o iluminou em sua tarefa de escriba), crêem os que anteriormente foram destinados à vida eterna; mas para Armínio, eram destinados à vida eterna os que criam.
É importante não esquecer que o arminianismo revivia o pelagianismo no seio da igreja. Pelágio foi o teólogo, contemporâneo de Agostinho, que defendeu doutrina de que o ser humano seria capaz de fazer o bem (amar a Deus e obedecê-lo) por suas próprias forças. Agostinho se opôs e a igreja, depois de longos debates, condenou as posições de Pelágio em três ocasiões e datas diferentes.
Assim, Armínio negava a Soberania de Deus na salvação do homem, passando a conceder uma parte dependente da criatura, retornando ao conceito judaizante de que a salvação não era uma salvação somente pela graça, mas dependente e em conjunto com as obras humanas, o que chamamos de Sinergismo: a salvação é através da graça de Deus mais as obras (esforço, decisão, vontade própria) do homem; depende, de alguma forma, do homem. Das cinzas a que foram reduzidas a teologia judaizante, por Paulo, e romanista, pelos reformadores, ressurgia, assim, a Fênix da heterodoxia: o arminianismo.
Então, em meio aos seus estudos e, convocado a combater os opositores da fé reformada, Armínio viu-se em uma terrível reviravolta. Indignado contra os elementos daquela teologia que, segundo ele, eram contrários à razão e ao sentido teológico, opô-se à teologia de seus mestres e de sua igreja, sendo uma espécie de anti-reformador, uma vez que trilhou o caminho inverso dos mesmos, especialmente de Lutero e Calvino.
Vejamos um rápido resumo da teologia alternativa de Armínio. Inicialmente, rejeição da Predestinação / Eleição – Deus elege quem ele sabe que vai crer. Portanto, para Armínio, o homem é quem é o agente da Salvação; Deus apenas reage; o homem escolhe primeiro a Deus, então Deus escolhe o homem.
A seguir, a culpa de Adão não é imputada aos homens. A queda não é total, mas parcial. A expiação é universal. Cristo morreu por todos os homens. A graça é oferecida a todos. A fé é uma boa obra humana. Nesta vida, o crente pode chegar à perfeição impecável. O crente pode cair da graça e perder a salvação que antes possuía. O alvo da criação é a felicidade. A expiação de Cristo não é substitutiva ou vicária, é apenas simbólica. Plena certeza de salvação não é possível nesta vida. O livre-arbítrio do homem. Todos esses pontos serão melhor expostos e refutados mais adiante.
Notemos que a doutrina de Armínio nada mais era que um retorno a Roma e a Trento, a Pelágio e aos judaizantes. Sem dúvida alguma o Papa alegrou-se profundamente por ver surgir dentro da igreja que lhe protestara um filho a semear tal semente, a semente que Lutero e Calvino tentaram sufocar. Armínio, mesmo talvez sem perceber, conduzia a igreja de volta à teologia de Roma e do Papa.
Havendo influenciado a outros e reunido um pequeno grupo de seguidores, a doutrina romanista voltou a figurar outra vez no seio da igreja. Com a morte de Armínio, houve quem pensasse que aquele desvio desapareceria também. Mas não foi o que aconteceu. No final daquele mesmo ano a praga se alastrou e ouviu-se sua voz ecoando nos pórticos, e mais uma vez a guerra teve de ser travada.
A REMONSTRACE – UM PROTESTO CONTRA A BÍBLIA
Em 19 de outubro de 1609, os discípulos de Armínio publicaram um documento expondo uma posição teológica contrária à posição oficial da igreja da qual eram membros. Este documento continha um resumo da teologia arminiana e se opunha plenamente à teologia reformada vigente na igreja. Esse movimento foi chamado de Remonstrance.
A Remonstrance, ou Protesto, foi um movimento de quarenta e cinco pastores de caráter arminiano que se opuseram e rejeitaram a teologia reformada, insistindo em estabelecer sua idéias contrastantes. Esse grupo liderou o protesto apresentado às igrejas reformadas das províncias holandesas.
Assim, passaram à história como os remonstrantes ou protestadores. Como conseqüência, foram imediatamente destituídos de seus ministérios e expulsos da igreja. Contudo, mais tarde, foram novamente admitidos.
A seguir, listamos esses cinco pontos, com pequenos comentários. O número entre parêntesis indica a posição do referido artigo na ordem original. A alteração da ordem foi feita mediante um melhor contraste com a reação ortodoxa – cinco pontos calvinistas.
* Livre-arbítrio ou Habilidade Humana (3)
Apesar de a natureza humana estar seriamente afetada pela queda, o homem não foi deixado em um estado de total carência espiritual. Deus graciosamente capacita cada pecador a arrepender-se e crer, mas Ele não interfere na liberdade do homem. Cada pecador possui um livre arbítrio, e seu destino eterno depende de como ele o usa. A liberdade do homem consiste em sua habilidade para escolher o bem sobre o mal em questões espirituais; sua vontade não está escravizada à sua natureza pecaminosa. O pecador tem tanto o poder para cooperar com o Espírito de Deus e ser regenerado ou resistir à graça de Deus e perecer. O pecador perdido necessita da assistência do Espírito, mas ele não tem de ser regenerado pelo Espírito antes que ele possa crer, pois a fé é um ato do homem e precede o novo nascimento. Fé é um dom do pecador para Deus; é a contribuição do homem para a salvação.
Neste ponto, que é o terceiro na ordem original, a questão é acerca da Antropologia Bíblica. Ou em outras palavras, como a Bíblia vê o homem. Lembremos que a posição arminiana-remonstrante trouxe de volta a velha heresia pelagiana, concedendo ao homem aquilo que lhe fora perdido com a Queda (ver capítulo VI).
A Reforma enfatizou uma antropologia, revelada na Escritura, muito diferente daquela sustentada pelas ciências humanas e pelas falsas doutrinas e religiões. Este contraste pode ser visto no quadro abaixo.
Antropologia humanista Antropologia bíblica
Autônomo (livre) Escravo do pecado e do diabo (Jo 8. 31-36,42-47; Ef 2.1-4; 4.17-20; Tt 1.15; 3.3; Jr 17.9; Rm 3.10-19, 23; 2 Tm 2.25,26; Rm 6.17-22; 7.14,18)
Bom (ou neutro, ou dúplice: bom e mal) Mau
(Mt 7.11;12.34; Lc 11.13; 2Ts 3.2; Mc 10.17,18; Rm 3.12; 7.18 )
Puramente racional Movido por paixões pecaminosas (concupiscências)
(Ef 2.1-4; 4.17-20; Gl 5.19-21)
Nasce puro ou inocente Concebido em pecado
(Sl 51.5; 58.3)
Potencial neutro Potencial maligno
(Jo 8.44; Ef 2.1-3)
Filho de Deus Filho do diabo
(Gn 3; Mt 3.7; 12.34; 23.33; Lc 3.7; Jo 3.8; 8.41-47; Jo 1.12,13)
Em movimento evolutivo Morto em pecados
(Ef 2.1-3)
Condutor de seu destino Responsável perante Deus – Destino Determinado por Deus
(Gn 3; Rm 14.12; Pv 16.1,4,9; 19.21; 20.24; Jr 10.23; Rm 9)
Determinante Determinado
(Pv 16.9; Jr 10.23; Dn 5.23; 1Sm 16.1; Sl 139.16; Is 45.5; Gl 1.15,16; Sl 75.6,7; Lc 1.52; Rm 9)
Eleição Condicional (1)
A escolha de Deus de certos indivíduos para a salvação antes da fundação do mundo estava baseada em Sua previsão de que eles responderiam ao seu chamado. Ele selecionou somente aqueles que Ele sabia que creriam livremente no evangelho. A eleição, portanto, foi determinada por ou condicionada sobre o que o homem faria. A fé que Deus previu e sobre a qual Ele baseou a sua escolha não foi dada ao pecador por Deus (não foi criada pelo poder regenerador do Espírito Santo), mas resultou unicamente da vontade do homem. Foi deixada inteiramente ao homem como alguém que poderia crer e, portanto, como alguém que seria eleito para a salvação.
Observe-se que este ponto é o primeiro na apresentação original do documento remonstrante, o que nos leva a suspeitar que o movimento em si nada mais foi que uma reação inicial contra a Doutrina da Eleição / Predestinação.
Não podendo suportar tal doutrina, o repúdio à mesma imediato, bem como uma nova teologia (a antiga heresia pelagiana) para substituí-la. Os outros pontos, podemos conceber, foram apenas tijolos, usados com o propósito de construir uma represa na tentativa de deter o principal afluente reformado: a Eleição / Predestinação.
É claro que não esquecemos o caráter doxológico de tal doutrina, isto é, a glória somente a Deus. É que nenhum outro ponto da teologia reformada, quanto ao homem especificamente, exalta mais a glória de Deus do que a compreensão de que a salvação é uma obra totalmente – do princípio ao fim – teísta, sem qualquer mérito ou ação direta ou originária do homem (conf. Ef 2.8,9; Mt 22.14; 24.22,24,31; Lc 18.7; Jo 15.16,19; Rm 8.28-30,33; Ef 1.4,511; 2Ts 2.13,14).
Os Reformadores, além de buscarem na Bíblia, os fundamentos para a salvação do homem, observaram também a lógica que há na Revelação de Deus: ora, se a salvação é um dom de Deus e nem todos são salvos, logo esse dom é concedido a quem Deus quer conceder (conf. Rm 9.13-23).
Podemos concluir, portanto, que a revolta contra a Predestinação / Eleição foi a causa primeira – como primeiro ponto – de escândalo e ojeriza do movimento remonstrante.
Redenção Universal ou Expiação Geral(2)
A obra redentora de Cristo torna possível a todos serem salvos, mas não assegura efetivamente a salvação de ninguém. Apesar de Cristo morrer por todos os homens e para cada, somente aqueles que crêem nele são salvos. Sua morte possibilitou a Deus perdoar pecadores na condição de que eles creiam, mas realmente não retirou os pecados de ninguém. A redenção de Cristo torna-se efetiva somente se o homem escolher aceitá-la.
Uma leitura dos Evangelhos seria suficiente para revelar o engano de tal ponto. Mt 26.28: “Porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados”. O sangue de Jesus não foi derramado por todos, mas por muitos! Jo 10.15 “Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a minha vida pelas ovelhas”; Jo 10.26: “Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito”. Aqui vemos Jesus primeiro afirmando que dá a sua vida pelas suas ovelhas, e a seguir revela que aqueles ouvintes não eram suas ovelhas. Assim, Jesus não deu a vida por aqueles ouvintes, pelo menos. Portanto, é antibíblico afirmar que Jesus deu a sua vida por todos!
Não precisamos comentar tanto este ponto. Isso já foi feito magistralmente por John Owen, em seu livro The Death of Death in the Death of Christ (A Morte da Morte na Morte de Cristo), compilado para o português na obra Por quem Cristo Morreu?, da Editora PES. É digno de nota que nunca surgiu até hoje um único herdeiro da Remonstrance (arminianos e pelagianos, romanistas ou evangélicos, ou mesmo batistas gerais – todos os que crêem que Jesus morreu por toda a humanidade) que pudesse responder aos sólidos argumentos de Owen.
O Espírito Santo Pode Ser Efetivamente Resistido (4)
O Espírito chama internamente todos aqueles que são chamados externamente pelo convite do evangelho; Ele faz tudo o que Ele pode para trazer cada pecador à salvação. Mas como o homem é livre, ele pode resistir efetivamente à chamada do Espírito. O Espírito não pode regenerar o pecador até que ele acredite; a fé (que é uma contribuição do homem) efetua e torna possível o novo nascimento. Assim, o livre arbítrio do homem limita o Espírito na aplicação da obra salvífica de Cristo. O Espírito Santo somente pode conduzir a Cristo aqueles que permitem-no guiá-los. Até que o pecador responda, o Espírito não pode dar-lhe. A graça de Deus, portanto, não é invencível; pode ser, e muitas vezes é, resistida e rejeitada pelo homem.
Um dos pontos que Armínio defendera para negar a Eleição / Predestinação foi a resistência ao Espírito de Deus. Aqui, ele e seus seguidores não compreenderam, ou simplesmente negaram, a Soberania Total de Deus sobra todas as coisas e seres, inclusive na salvação (conf. 1Sm 14.6; Jó 42.2; Is 43.13; Dn 4.34,35; Ap 3.7).
Cair da Graça (5)
Aqueles que crêem e são verdadeiramente salvos podem perder sua salvação por fracassar em manter sua fé. Não há concordância entre os arminianos quanto a este ponto; alguns têm sustentado que os crentes estão eternamente seguros em Cristo – que uma vez que o pecador é regenerado, ele não pode nunca mais ser perdido.
Aqui há um ponto lógico de Armínio. Se a salvação depende do livre-arbítrio ou das obras do homem, então essa salvação pode ser perdida, uma vez que o homem é falho. A questão, porém, é que a salvação não depende do homem, mas de Deus, que não falha jamais. Caso realmente dependesse do homem, ninguém seria salvo, pois todos são falhos pecadores. Armínio presumiu demais o homem, ao conceder que, por seu próprio esforço, pudesse manter a salvação intacta. Ora, se o homem é falho e se a salvação dependesse do homem, a conclusão lógica é que a salvação não se completará, pois nenhum homem é perfeito.
Veja, porém, a contradição da teologia arminiana: ao mesmo tempo em que defende a perda da salvação pelo fato de o homem ser imperfeito, sustenta também a possibilidade de esse mesmo homem chegar à perfeição nesta vida! Pode o homem ser imperfeito e perfeito ao mesmo tempo? Que ser é esse, imperfeito e perfeito ao mesmo tempo? Que terrível contradição, para não falar no endeusamento de um pecador! Armínio pega um pecador e o eleva à condição de Jesus: um homem sem pecado nenhum! Que blasfêmia!
* O material acima (pontos arminianos) foi retirado da obra The Five Points of Calvinism - Defined, Defended, Documented, de David N. Steele e Curtis Thomas. Ambos são ministros Batistas em Little Rock, Arkansas, EUA. Está também incluso como um Apêndice, na obra Romanos: Um Esboço Interpretativo, dos mesmos autores. Tradução Gildásio Sousa.
A FALSA IGREJA DOS DE FORA
Mesmo em meio a terríveis lutas externas, e ainda ameaçada por grandes forças opositoras, a coragem da igreja em enfrentar o inimigo interno foi sua maior vitória. Jamais poderia ser diferente.
A história nos mostra que os grandes impérios ruíram por conta de desordens e pelejas internas, onde inimigos infiltrados minavam e diluíam o poder defensivo, abrindo brechas e portas aos inimigos externos.
Não poderia ser diferente para com a igreja, fortaleza da Verdade (conf. 1Tm 3.15). Como poderia tal fortaleza resistir aos inimigos externos sem primeiro expurgar os focos internos? Recusar-se a expurgar seus próprios intestinos é um grande pecado e, conseqüentemente, uma prévia de derrota para o povo de Deus. A história de Acã (Js 7) sempre nos servirá de alerta para o perigo do anátema entre os servos de Deus. E nada é mais anátema do que a falsa doutrina contrária à Palavra de Deus.
A derrota da igreja jaz em evitar o confronto e negar-se a empunhar a Espada do Espírito para combater em seu próprio seio. Infelizmente hoje o conceito pelo que a igreja interpreta as coisas é bem outro que a Palavra.
Entendem que não devemos julgar a ninguém, e até citam a Bíblia: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt 7.1). Ignoram, todavia, que Jesus não estava proibindo o julgamento, pois Ele mesmo nos ordena, explicando sua própria Palavra: “Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” (Jo 7.24).
Quando Jesus condena o julgamento, está condenando o julgamento segundo a aparência, que era o julgamento dos judeus em sua falsa teologia e religião. Contudo, Jesus mesmo manda que, segundo a retya justiça, isto é, segundo o verdadeiro e íntegro padrão – que a Palavra de Deus – julguemos todas as coisas.
Foi isso o que o Apóstolo Paulo compreendeu e também ensinou, ao advertir a igreja de Corinto acerca de um de seus membros: “Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (1Co 5.12,13). Os de fora Deus julgará, diz o apóstolo Paulo (1Co 5.12,13); julgue a igreja os de dentro. Essa é a ordem da Palavra.
E o mesmo apóstolo acrescenta aos Tessalonicenses: “Mandamo-vos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes” (2Ts 3.6).
À igreja não foi dada autoridade alguma para julgar os de fora – como o fazem o romanismo e mesmo as igrejas que se dizem reformadas mas mantém o velho traço romanista em seu caráter estatal, sendo parceiros do estado, dele recebendo benefícios e a ele servindo em seus interesses mútuos. Essa não era a visão de Paulo: uma igreja politicamente engajada e compromissada a julgar os de fora em suas questões.
Lembremos que o próprio Jesus se recusou assumir tal postura: “disse-lhe um da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança Mas ele lhe disse: Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?” (Lc 12.13,14). E ainda: “Sabendo, pois, Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte” (Jo 6.15); “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; entretanto o meu reino não é daqui” (Jo 18.36).
Muito curioso que, distante da verdadeira doutrina da Palavra, a igreja evangélica e mesmo as “reformadas” estatais, engajem-se cada vez mais em questões-político-sociais, arrogando-se uma responsabilidade política e uma autoridade social que jamais lhe fora conferida por Jesus Cristo, senão pelo próprio Príncipe deste século. Paulo já advertira ao jovem pastor Timóteo: “Nenhum soldado em serviço se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (2Tm 2.4).
Contrariamente, porém, essa mesma igreja tão militante do lado de fora (onde Jesus não lhe conferiu qualquer autoridade) é completamente cega e inoperante quanto às questões de dentro, especialmente quanto à doutrina da Palavra e ao correto procedimento na igreja: “Escrevo-te estas coisas, embora esperando ir ver-te em breve, para que, no caso de eu tardar, saibas como se deve proceder na casa de Deus, a qual é a igreja do Deus vivo, coluna e esteio da verdade” (1Tm 3.15).
Sedentos de poder político e econômico, pervertem até mesmo o próprio evangelho, pois visam tão somente ao lucro e à glória deste mundo. Desonram a Deus e à sua Palavra, com o demônico propósito de ganhar as graças dos homens e sobre eles reinar. Isso fez Roma no princípio do cristianismo; isso fizeram as igrejas estatais pós-reforma; o mesmo fazem hoje as chamadas igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais. E até as igrejas batistas, cujo traço nesse sentido era a total separação entre igreja e estado, tendo perdido a antiga doutrina bíblica confirmada por seus pais em 1689, deixaram-se levar por tal dissimulação, a ponto de terem como única evidência de batistas apenas um nome transcrito numa placa. Nome esse sem qualquer significado teológico ou eclesiástico.
TENTATIVAS HUMANAS DE SUSTER A FÉ
Tendo visto os pontos da Remonstrance, precisamos nos deter para observar algumas coisas. A primeira é atentar para um movimento reformador e protestante agindo agora em direção oposta. Os reformadores protestaram contra Roma e o pelagianismo patente na teologia medieval da igreja estatal. Agora, vemos o inverso: arminianos protestantes atacando a teologia reformada estatal.
Assim como na história da Igreja homens se levantaram para confrontar a heresia e a deturpação doutrinária, houve também homens que lutaram para atacar a fé bíblica e implantar sua visão oposta à Palavra.
Temos aí também uma clara advertência de que o controle da Fé e da Igreja jamais poderá estar sob a autoridade estatal. Muitas vezes a igreja incorreu nesse erro, a começar por Roma. Até mesmo grandes homens tementes a Deus e sérios em sua teologia caíram nesse terrível erro: Lutero, em Wittenberg; Calvino, em Genebra; a Igreja Presbiteriana, submissa ao Parlamento; e tantas outras igrejas estatais – o que é um equívoco e uma contradição.
Precisamos atentar também para o fato de que não é possível a qualquer instituição exercer o papel que só ao Espírito Santo compete: resguardar a verdadeira fé no coração dos eleitos. Por mais que queiramos criar organismo e cercear os membros de nossa igreja para que mantenha a fé sadia das Escrituras, não há ritual, imposição de mãos, cargos eclesiásticos, alianças estatais que o alcance.
Que o fracasso e a comprometização das igrejas ritualistas e estatais nos sirvam de alerta. Nosso papel é pregar a Palavra e orar para Deus envie o seu Espírito e opere em nossos ouvintes, mas não há qualquer potência na capacidade das construções humanas para fazer aquilo que só o Espírito Santo pode fazer: chamar, sustentar e confirmar (conf. Rm 8.30).
Como exemplo, citamos o fato de algumas instituições exigirem que seus professores assinem uma confissão de fé para serem admitidos em seu corpo docente. Isso é uma grande besteira. É possível tranqüilamente a um homem assinar um papel sem ter qualquer comprometimento espiritual verdadeiro perante a Palavra de Deus. Assinar um papel não converte o coração de ninguém. Antes, que a igreja esteja atenta à vida, ensino, obra e doutrina desse homem, orando para que deus nos guarde dos lobos.
Outra tentativa fazia é o clericalismo, seja de Roma, seja de igrejas estatais, seja do presbiterianismo. É contrário ao conceito de igreja no Novo Testamento, além de subjugar a igreja a um grupo externo, o que fere a genuína doutrina bíblica.
Há também o pedobatismo – uma tênue e antibíblica tentativa de manter a igreja agregando fiéis. É a invencionice humana tentado suprir aquilo que só o Espírito de Deus pode fazer verdadeiramente: chamar e dar o dom da fé. E como todo erro tem sua conseqüência drástica e danosa, precisam depois inventar um sem número de falsos arranjos para justificar tal loucura e perversão, seja com a irrazoável graça externa e interna dos presbiterianos, no pacto da família, o que nem sequer é ventilado na Palavra e ainda é contrário ao próprio conceito reformado de salvação, Esaú que o diga! Seja no ritualismo romanista, em que a salvação é operada pelos rituais inventados e mecanicamente exercidos sobre o povo.
Organismos humanos jamais serão capazes de resguardar a fé verdadeira no coração de alguém. O sacramentalismo, que infestou até algumas igrejas de tradição reformada, é um atentado contra a Soberania do Espírito Santo no ministério de resguardar o depósito da Fé nos verdadeiramente eleitos, e somente nos eleitos (conf. 2Tm 1.12,14).
Portanto, Armínio sempre será para nós uma lembrança de que “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que nela edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” (Sl 127.1). Sacramentalismo e estatização da igreja jamais poderão cumprir aquilo que só a Palavra de Deus, eficazmente operada no coração do Eleito pelo Espírito Santo, pode alcançar e confirmar.
XII
Os cinco pontos calvinistas
OS VERDADEIROS ELEITOS NÃO NEGOCIAM A VERDADE
Era uma situação extremamente terrível. Lá fora Roma respirava ameaças contra a jovem Igreja (jovem na redescoberta da Teologia Bíblica); os reis e imperadores, aliados ao Anticristo, o Papa, usavam de seu poder temporário e autoridade terrena para sufocar a reforma protestante, na esperança de ainda subjugar toda a cristandade mundial.
Muitos filhos da reforma ainda eram vítimas de martírio e expatriamento. Para muitos, a solução era fugir para um novo continente, hostil e imprevisível, sob a fé da proteção e guia da Providência Divina.
Havia ainda outros movimentos que, sob a bandeira da Reforma, promoviam um radicalismo social e anárquico, além de espíritos imbuídos de carismatismo, fanatismo espiritualista e apocalipsismo caótico – todos contados como um mesmo corpo, o que denegria a imagem da Reforma autêntica e promovia oposição e justificava a antipatia de muitos contra a Fé.
Que terrível situação! O que fazer? Evitar confrontos internos, já que a situação externa não era muito agradável, e permitir a permanência de tal grupo em seu seio, aceitando a convivência de doutrinas opostas e, conseqüentemente, uma delas contrária à Palavra, ou enfrentar tamanha guerra civil, correndo o risco de dissabores internos, como divisões e partidarismos? A situação era terrível, o preço a ser pago seria altíssimo, para qualquer lado que olhasse.
Mais uma vez, porém, a igreja não titubeou. Se o preço a ser pago pela manutenção da Palavra da Verdade, a verdadeira Doutrina Bíblica, é a diminuição do rol de membros, o desgaste de lutas internas e o enfrentamento dos falsos mestres com suas heresias – o exemplo é-nos dado outra vez: os verdadeiros eleitos não negociam a Verdade!
O SÍNODO DE DORT
Quase uma década depois, é que a igreja compreendeu a necessidade de enfrentar decisivamente o movimento iniciado por Armínio e alastrado por seus seguidores. É difícil pensar em condenar tal postura. Certamente havia muitos inimigos do lado de fora, sem esquecer o receio de, mal tendo conseguido a liberdade, deflagrar uma guerra interna que viesse trazer desconforto, e talvez até mais prejuízo do que o que se iniciara. È claro que pensar assim seria errôneo, pois a verdade não pode ser negociada. Mas havia perigos de todos os lados, precisamos compreender. Contudo o maior perigo, sem dúvida, era recusar-se a entrar na arena e lutar pela Verdade.
Assim, os primeiros filhos dos reformadores não titubearam, mas arregaçaram as mangas e brandiram mais uma vez a Espada do Espírito, à semelhança dos apóstolos em Jerusalém em Atos 15: contra os próprios intestinos.
O Príncipe Maurício de Nassau, que, durante algum tempo, não havia interferido na disputa, tomou o partido da ortodoxia calvinista. Foi então que os estados gerais holandeses convocaram uma grande assembléia eclesiástica.
Reunida a 18 de novembro de 1618 até 9 de maio de 1619, essa assembléia, também conhecida como “Sínodo de Dordrecht”, compunha-se de várias igrejas reformadas da Europa, com um total de vinte e sete delegados de outros países europeus, como Grã-Bretanha, Suíça e Alemanha. Os franceses não tomaram parte devido à proibição de Luís XIII. Os holandeses eram quase setenta, dos quais aproximadamente a metade eram ministros e professores de teologia, a quarta parte anciãos leigos e o resto membros dos Estados gerais.
Depois de vários debates e outras decisões (como uma nova tradução da Bíblia para o holandês), as decisões teológicas de Dort foram dirigidas contra o arminianismo e a remonstrance, condenando-os e aos seus cinco pontos.
Como forma de contrapor a falsa doutrina arminiana-remonstrante, o sínodo de Dort promulgou cinco pontos contra os arminianos, pontos esses que ficaram conhecidos na história como Cinco Pontos Calvinistas, e tornaram-se parte fundamental da ortodoxia reformada-calvinista.
A IGREJA VAI OUTRA VEZ À LUTA
A missão do Sínodo era dar um parecer sobre a controvérsia arminiana dos remonstrantes.
O concílio tinha delegados de várias igrejas reformadas, sendo a maioria pertencente à Holanda. Assim, os cinco artigos remonstrantes foram anatematizados, e os ministros arminianos depostos.
Havendo analisado as Escrituras em busca da doutrina bíblica, foi confirmada a doutrina herdada dos reformadores, e condenadas as posições anticristãs de Armínio e seus seguidores.
Com a Espada empunhada, a igreja ofereceu uma resposta fundamentalmente bíblica para cada ponto levantado pela remonstrance, dando assim uma orientação sólida e bíblica para todos os que quisessem ouvir a Verdade revela na Palavra. A seguir alistamos esses cinco pontos.
A GUERRA PONTO A PONTO
É bom deixar claro que estes cinco pontos foram uma resposta aos cinco pontos heréticos da remonstrance, pois muitos pensam o contrário, imaginando que os cinco pontos calvinistas vieram primeiro. Não! Eles são apenas um resumo da teologia reformada quanto à Soteriologia (doutrina da salvação) para responder ao ataque iniciado dez anos antes por Armínio e seus seguidores.
* Total Inabilidade ou Depravação Total
Por causa da queda, o homem é incapaz de salvadoramente crer por si mesmo no evangelho. O pecador está morto, cego e surdo para as coisas de Deus; seu coração é enganoso e desesperadamente corrupto. Sua vontade não é livre, está cativa à sua natureza pecaminosa, portanto, ele não escolherá – de fato não pode – escolher o bem ao invés do mal em assunto espiritual. Conseqüentemente, é preciso muito mais do que a assistência do Espírito para trazer um pecador a Cristo – é preciso a regeneração, pela qual o Espírito vivifica o pecador e dá-lhe uma nova natureza. A fé não é algo que o homem contribui para a salvação, mas é uma parte integrante do dom salvífico de Deus – é dom de Deus para o pecador, não dom do pecador para Deus.
Eleição Incondicional
A escolha de Deus de certos indivíduos para a salvação antes da fundação do baseia-se unicamente em sua própria e soberana vontade. Sua escolha de pecadores particulares não foi baseada sobre qualquer resposta prevista de obediência da parte deles, tais como fé, arrependimento, etc. pelo contrário, Deus concede fé e arrependimento para cada indivíduo que Ele escolheu. Estes atos são o resultado, não a causa da escolha de Deus. A eleição, portanto, não foi determinada por ou condicionada sobre quaisquer qualidades ou virtudes ou atos previsto no homem. Aqueles a quem Deus soberanamente elegeu, Ele traz através do poder do Espírito a uma aceitação voluntária de Cristo. Assim, a escolha por Deus do pecador, e não a escolha pelo pecador de Cristo, é a causa última da salvação.
Redenção Particular ou Expiação Limitada
A obra redentora de Cristo foi pretendida para salvar os eleitos somente e efetivamente assegurou salvação para eles. Sua morte foi um sacrifício substitutivo da penalidade do pecado em lugar de determinados e específicos pecadores. Em adição para retirar os pecador do Seu povo, A redenção de Cristo assegurou tudo o que era necessário para a salvação deles, incluindo a fé, a qual une-os a Ele. O Dom da fé é infalivelmente aplicado pelo Espírito para todos por quem Cristo morreu, garantindo, portanto, sua salvação.
A Chamada Efetiva do Espírito ou
Graça Irresistível
Em adição à chamada externa geral para a salvação que é feita a todos que ouvem o evangelho, o Espírito Santo estende aos eleitos uma chamada especial interna que inevitavelmente os traz à salvação. O chamado interno (o qual é feito somente para os eleitos) não pode ser resistido; sempre resulta em conversão. Por meio desse chamado especial o Espírito irresistivelmente conduz pecadores a Cristo. Ele não é limitado pela vontade do homem em sua obra de aplicar salvação, nem depende da cooperação do homem para alcançar sucesso. O Espírito graciosamente faz o pecador eleito cooperar, crer arrepender-se, vir livre e espontaneamente a Cristo. A graça de Deus, portanto, é invencível; jamais falha em resultar na salvação daqueles a quem ela é estendida.
Perseverança dos Santos
Todos os que são escolhidos por Deus, redimidos por Cristo, e recebem a fé pelo Espírito estão eternamente salvos. Eles são guardados na fé pelo poder do Deus Soberano e assim perseveram até o fim.
A plena segurança e a certeza da salvação do salvo está firmada não nas qualidades do salvo, mas nas qualidades do seu Salvador!
* O material acima (os cinco pontos) foi retirado da obra The Five Points of Calvinism – Defined, Defended, Documented, de David N. Steele e Curtis Thomas. Ambos são ministros Batistas em Little Rock, Arkansas, EUA. Está também incluso como um Apêndice, na obra Romanos: Um Esboço Interpretativo, dos mesmos autores. Tradução Gildásio Sousa.
XIV
O MEIO CAMINHO DA ORTODOXIA: LUTERANOS E CALVINISTAS
Em saindo da Roma do “papa” jamais iria eu para a Wittenberg de Lutero ou para a Genebra de Calvino.
(Aníbal Pereira dos Reis)
Se a Verdade de Deus for posta em dúvida por qualquer comunidade, e para ser membro dessa comunidade devo identificar-me com alguma doutrina errônea ou prática corrompida, então não pode ser cisma o fato de eu me separar de tal comunidade; pelo contrário, tenho o dever de me separar.”
(Citado por Aníbal Pereira dos Reis)
A ênfase dada à pregação no intuito de semear a Palavra de Deus, ao mundo perdido é excelente obra. Todavia, se alvejando quantidade, sacrificar-se a Sã Doutrina, trai-se o evangelho por desvalorizá-lo. (Aníbal Pereira dos Reis)
O costume não prova nada. O costume não forma a Verdade. Minha Regra de Fé são as Sagradas Letras e não o costume. Se me acostumo com algo contrário à Palavra de Deus, devo abandoná-lo [o tal costume]. E por falar em costume... contraiu-se o hábito de se identificar o nome batista com a Convenção Batista Brasileira. Se não for da Convenção não é genuinamente batista. Pois bem, essa idéia é que não é batista... (Aníbal Pereira dos Reis)
XIX
ROMA SUBJUGA O MUNDO OUTRA VEZ – O EVANGELICALISMO REVIVE TRENTO: PAPISTA, PELAGIANO, CARISMÁTICO-PENTECOSTAL, RITUALISTA E ECUMÊNICO
Tenho um pequeno livro sob o título: Católicos Carismáticos e Pentecostais Católicos. Em seus capítulos analiso a origem e o desenvolvimento do surto carismáticos nos redutos romanistas. A seguir, em segunda parte, demonstro porque o pentecostalismo é simplesmente uma seita católica.
(Aníbal Pereira dos Reis)
A diferença entre a igreja católica romana e os evangélicos são os santos na parede! Essa é a mais clara averiguação que podemos observar à medida que avançamos na compreensão da teologia bíblica.
Qual a diferença entre o padre que sob à sua cátedra e, em meio à êxtases e glossolalias, anuncia um deus que ama a todos e quer salvar a todos, e um pastor evangélico que, no mesmo espiritualismo extático, do seu púlpito prega um universalismo teórico, objetado apenas pelo livre-arbítrio do homem?
Para Roma a salvação depende do homem e de suas obras. Para os evangélicos, depende do homem e de seu livre-arbítrio. Está evidente para muitos: pregam o mesmo evangelho!
Se o movimento da Reforma no século XVI inicialmente alertou e constrangeu a Roma, hoje a situação dos herdeiros daquele movimento reformador é bem diferente. E Roma há muito já o percebeu e dele vem tirando ampla vantagem. Afinal, por que se intimidar por quem está do nosso lado?
Uma das grandes provas de nossa tese é o movimento carismático católico: o pentecostalismo (carismatismo, misticismo, legalismo, ascetismo) são os resíduos intestinais de Roma!
XX
A BOM COMBATE DA FÉ – OS ÚLTIMOS CAPÍTULOS DE UMA GUERRA JÁ DEFINIDA
Jesus Fariseus
Paulo Judaizantes
João Gnósticos
Agostinho Pelágio
Lutero Erasmo de Roterdã / Roma
Calvino / Dort Armínio / Remonstrantes
Reforma Contra-Reforma
Withefield Wesley
Spurgeon Finney
Jesus X Fariseus
Paulo X Judaizantes
João X Gnósticos
Agostinho X Pelágio
Lutero X Erasmo de Roterdã / Roma (Papa)
Calvino / Dort X Armínio / Remonstrantes
Reforma X Contra-Reforma
Withefield X Wesley
Spurgeon X Finney